A cláusula compromissória é manifestação de vontade das partes que restringe a atuação judicial para conhecimento das matérias e disputas relacionadas ao ajuste que será tratado pela própria cláusula.

Se houver disposição válida entre as partes para que as demandas sejam solucionadas pelo procedimento arbitral, caberá ao tribunal arbitral a ser constituído decidir sobre o mérito da questão, assim como decidir sobre a sua própria competência para solução do litígio (princípio da “kompetenz-kompetenz”).[1]

Há entendimento consolidado no Superior Tribunal de Justiça (STJ) de que, em processos de execução de título executivo extrajudicial que tenha cláusula compromissória arbitral, o devedor não poderá apresentar ao poder estatal eventuais embargos à execução.

Nessa situação, o devedor deverá requerer a instauração do procedimento arbitral correspondente – obedecendo às especificidades contratuais –, para julgamento sobre a validade, exigibilidade ou licitude da execução.

Somente as matérias de mérito dos embargos à execução são encaminhadas ao juízo arbitral. As questões de ordem processual são de exclusiva competência do Poder Judiciário, já que estão atreladas a questões procedimentais determinadas pelo poder estatal (como alegação de excesso de penhora, erros de cálculos e nulidade da penhora, conforme o REsp 2.032.426/DF[2] e o REsp 1.949.566/SP[3]).

Em outras palavras, há uma espécie de divisão entre os motivos dos embargos à execução, cada um sendo examinado em sua própria jurisdição (estatal e arbitral).[4]

A solução tem como objetivo preservar a hegemonia do poder estatal para a prática de atos coercitivos e, ao mesmo tempo, a liberdade contratual das partes pela escolha de métodos extraestatais para solução de disputas (REsp 1.864.686/SP[5] e REsp 1.465.535/SP).[6]

Ainda que a jurisprudência esteja bastante consolidada em relação à divisão entre a competência do Poder Judiciário e do juízo arbitral em caso de execução de título executivo extrajudicial, outras questões se colocam quando se trata de título executivo judicial que contenha cláusula compromissória.

Nesse contexto, é possível que um procedimento arbitral ou uma ação judicial seja solucionada com a celebração de acordo no qual se preveja, além do pagamento de quantias e obrigações de fazer, uma cláusula compromissória.

Considerando a hipótese de homologação desse acordo (seja pelo Poder Judiciário ou pelo tribunal arbitral), não há dúvidas de que esse título terá natureza de título judicial, nos termos do art. 515, II e VII, do CPC.

Isso significa que, em caso de inadimplemento, em vez da instauração de ação de execução (como acontece nos casos de títulos executivos extrajudiciais – art. 798, CPC), o credor poderá distribuir ação de cumprimento de sentença (art. 523, CPC) – que tem rito processual diferente e cujas eventuais defesas estarão limitadas aos temas previstos no art. 525, §1, do CPC.

Não só há aqui uma diminuição dos temas de defesa, como o código prevê que essa defesa (a impugnação ao cumprimento de sentença) será apresentada nos mesmos autos (art. 525, caput, CPC).

Ou seja, diferentemente do caso dos embargos à execução, a impugnação ao cumprimento de sentença não é processo autônomo e é meio de defesa para títulos que gozam de maior segurança jurídica.

Precedentes sobre impugnação ao cumprimento de sentença no juízo arbitral

Embora não haja farta jurisprudência sobre o tema, dois precedentes do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) e do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) abordaram questões relacionadas e podem orientar uma análise mais aprofundada.

O primeiro precedente (TJRJ, Agravo de Instrumento 0006118-55.2021.8.19.0000)[7] tratava de um acordo homologado em procedimento arbitral em que se pactuou cláusula compromissória. Diante de um alegado inadimplemento de obrigação de pagar, o credor ajuizou o cumprimento correspondente de sentença no Poder Judiciário. A contraparte, então, instaurou procedimento arbitral para discutir a quitação da dívida assumida no acordo – matéria de impugnação ao cumprimento de sentença.

No TJRJ, reconheceu-se que a cláusula compromissória era aplicável inclusive para a promoção de defesas referentes a esse rito processual, reconhecendo:

  • a competência do juízo arbitral para o julgamento da impugnação ao cumprimento de sentença; e
  • a relação de prejudicialidade entre as demandas para autorizar a suspensão do cumprimento de sentença.

O segundo caso é o acórdão do TJSP nos autos do Agravo de Instrumento 2141231-20.2019.8.26.0000.[8] Embora não trate diretamente sobre cláusulas compromissórias em acordos homologados, o caso traz alguma luz sobre a possibilidade de instauração de impugnação ao cumprimento de sentença no juízo arbitral.

A discussão relacionava-se à execução de sentença arbitral declaratória que reconheceu a existência de um saldo em favor do credor, mas devido a contingências e retenções destacou que essa execução poderia mudar “a relação ‘credor/devedor’ entre as partes.

Citado para cumprimento, o devedor realizou o depósito em juízo do valor da execução em garantia e informou a instauração de novo procedimento arbitral “para tratar de matérias, em tese, passíveis de discussão em impugnação ao cumprimento de sentença”.

Entendendo que a apuração da liquidez da sentença declaratória arbitral somente poderia ser averiguada com a análise de matérias conexas ao contrato que tinha cláusula compromissória, o TJSP reconheceu a competência do juízo arbitral para análise da impugnação ao cumprimento de sentença.

Destacou-se que “matérias passíveis de discussão em embargos à execução (no caso de execução de título extrajudicial) e em impugnação ao cumprimento de sentença que, tratando-se de contrato com cláusula compromissória (...) devem ser suscitadas e discutidas em arbitragem, não no juízo da execução”, sendo mais uma das “hipótese[s] de complementaridade entre as jurisdições estatal e arbitral”.

Diante desses precedentes, conclui-se pela viabilidade da inclusão de cláusulas compromissórias em acordos judiciais e arbitrais alvo de homologação. Elas atraem a competência do juízo arbitral para apreciar as matérias relativas às impugnações aos cumprimentos de sentença em seu aspecto não processual – considerando-se os limites estabelecidos pelo art. 525, §1º, do CPC e respeitando-se o art. 32 da Lei de Arbitragem e seus parágrafos (em especial, o prazo decadencial de 90 dias do §1º).

O simples fato de a impugnação ao cumprimento de sentença ser incidente processual não pode servir de empecilho para o exercício da autonomia das partes pela solução via arbitragem. É, portanto, compatível a conjugação das jurisdições para a adequada resolução do litígio originado da ação de cumprimento de título judicial que tenha cláusula compromissória.

 


[1] Art 8º, parágrafo único, da Lei de Arbitragem (Lei 9.307/96)

[2] “2. Nos embargos à execução de contrato com cláusula compromissória, a cognição do juízo estatal está limitada aos temas relativos ao processo executivo em si, sendo que as questões relativas à higidez do título devem ser submetidas à arbitragem, na linha do que dispõe o art. 8º, parágrafo único, da Lei nº 9.307/1996. Precedente.” (STJ, rel. para acórdão min. Ricardo Villas Bôas Cueva, 3ªT, j. 11 de abril de 2023)

[3] “3. Na ação de execução lastreada em contrato com cláusula arbitral, apresentada impugnação pelo executado, o Juízo Estatal estará materialmente limitado a apreciar a defesa, não sendo de sua competência a resolução de questões que digam respeito ao próprio título ou às obrigações nele consignadas. 4. Nos casos em que a impugnação disser respeito à existência, constituição ou extinção do crédito objeto do título executivo ou às obrigações nele consignadas, sendo incompetente o Juízo Estatal para sua apreciação, revela-se inviável o prosseguimento da execução, dada a imperativa necessidade de solução pelo Juízo Arbitral de questão de mérito que antecede à continuidade da ação instaurada.” (STJ, rel. Min. Luis Felipe Salomão, 4ªT, j. 14 de setembro de 2021)

[4] “Parece razoável deduzir que, havendo cláusula compromissória – e tratando os embargos de matéria de fundo (validade, eficácia e extensão do título executivo) -, caberá levar tais questões aos árbitros, tocando ao juiz togado apenas o julgamento de embargos que tratem de questões processuais.” (CARMONA, Carlos Alberto. Considerações sobre a cláusula compromissória e a cláusula de eleição de foro. In Arbitragem: Estudos em homenagem ao Prof. Guido Fernando da Silva Soares, in memoriam. Coord. Carlos Alberto Carmona, Selma Ferreira Lemes e Pedro Batista Martins. São Paulo: Atlas, 2007, p. 43).

[5] STJ, rel. min. Moura Ribeiro, 3ªT, j. 13 de outubro de 2020.

[6] STJ, rel. min. Luis Felipe Salomão, 4ªT, j. 21 de junho de 2016.

[7] TJRJ, rel. des. Heleno Ribeiro Pereira Nunes, 5ªCC, j. 27 de julho de 2021.

[8] TJSP, des. rel. Grava Brasil, 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, j. 27 de agosto de 2019.