A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deverá analisar, em novembro, no julgamento do Tema Repetitivo 1.059, a controvérsia sobre majoração de honorários sucumbenciais em grau recursal, questão apresentada como a: “(im)possibilidade da majoração, em grau recursal, da verba honorária estabelecida na instância recorrida, quando o recurso for provido total ou parcialmente, ainda que em relação apenas aos consectários da condenação”.
Embora o julgamento estivesse inicialmente incluído na pauta do dia 20 de setembro, a Corte Especial adiou para 9 de novembro.
Devido à relevância e aos diversos recursos relacionados ao tema, o julgamento será realizado sob o rito dos recursos repetitivos, como previsto no artigo 1.036 e seguintes do Código de Processo Civil (CPC). O objetivo é garantir maior celeridade na apreciação da questão, previsibilidade e segurança jurídica, além de tratamento isonômico e uniformidade nas interpretações pelos tribunais do país.
A partir dessa afetação, suspende-se a tramitação dos recursos especiais e agravos em recurso especial que tratem da mesma questão de direito, até que seja dada solução definitiva ao tema pela Corte Superior.
Foram selecionados três recursos representativos da controvérsia, cadastrada como Tema Repetitivo 1.059 (recursos especiais 1.864.633, 1.865.223 e 1.865.553, de relatoria do desembargador convocado Manoel Erhardt).
Os apelos mencionados foram interpostos pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) contra os acórdãos do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), por meio dos quais decidiu majorar os honorários devidos pela autarquia previdenciária em ações relacionadas à concessão de aposentadoria (por idade ou tempo de contribuição), apesar de ter reformado parcialmente a decisão combatida.
Como se sabe, no ordenamento jurídico brasileiro, a distribuição do ônus do pagamento de honorários advocatícios deve observar não só o princípio da sucumbência (vencedor e vencido) – hipótese prevista no artigo 85, caput, do CPC[1] – como também o princípio da causalidade, segundo o qual a parte que deu causa à demanda assume as despesas inerentes a ela.[2]
O CPC em vigor, sancionado em 2015, trouxe alterações importantes em relação ao tema em seus artigos 85 a 90. Entre as mudanças, está o estabelecimento dos honorários sucumbenciais em grau recursal (parte final do §1º do artigo 85).[3]
Nesse sentido, o §11º do artigo 85 permite que o tribunal aumente os honorários fixados anteriormente, considerando o trabalho adicional realizado pelo advogado, sem ultrapassar, contudo, os limites legais previstos.[4]
O intuito do legislador ao estabelecer os honorários sucumbenciais recursais é não apenas remunerar o advogado do vencedor pelo trabalho adicional na fase recursal, como também desestimular o vencido a prolongar o processo com a interposição de novos recursos para reapreciação da matéria.[5]
Baseados nessa inovação trazida pelo CPC em vigor, o STJ[6] e os tribunais do país[7] vinham aplicando o entendimento de que a majoração dos honorários recursais somente seria devida quando estivessem presentes três requisitos, de forma cumulativa:
- decisão recorrida publicada após a entrada em vigor do CPC – ou seja, 13 de junho de 2016;
- recurso integralmente não conhecido ou desprovido, por decisão monocrática ou colegiada; e
- honorários sucumbenciais fixados na origem.
Contudo, como ficam os casos em que a decisão recorrida é parcialmente reformada por provocação da parte ou de ofício?
Nos casos de provimento parcial do recurso, em que as partes serão, ao mesmo tempo, vencedor e vencido, seria possível identificar quem deu causa à demanda e, assim, falar em majoração dos honorários fixados na origem?
E nos casos em que o tribunal reforma parcialmente a decisão recorrida em relação a ponto que pode ser apreciado de ofício e não foi objeto do recurso? Seria possível identificar vencedor, vencido ou aquele deu causa à demanda?
Diante desse cenário, surgiu a necessidade de fixar uma orientação específica para solucionar as controvérsias, a ser seguida de forma isonômica.
Nos recursos afetados, o INSS argumenta que as verbas honorárias só poderiam ser majoradas em caso de não conhecimento integral ou desprovimento do recurso interposto, seguindo o posicionamento até então adotado pelo STJ e pelos tribunais do país.
Já a parte recorrida defende a possibilidade de majoração dos honorários advocatícios em todas as hipóteses de resultado dos recursos. Em seu entendimento, deve ser observado e dimensionado o “grau” de vitória de cada parte para a fixação da porcentagem das referidas verbas, seguindo a lógica estabelecida no artigo 86 do CPC[8] – vedada, por outro lado, a compensação, dado o caráter personalíssimo e, no caso, de terceiro dos honorários advocatícios sucumbenciais (artigos 368 e 380 do Código Civil).
Se vencer a tese defendida pela parte recorrente, teremos uma situação em que o trabalho desenvolvido no tribunal pelo advogado da parte recorrida não será considerado para a majoração da verba sucumbencial, nos termos do CPC em vigor. Ou, ao menos, estaremos diante de uma situação de flexibilização do princípio da causalidade.
Por outro lado, caso a tese defendida pela parte recorrida seja vencedora, podemos concluir que haverá uma flexibilização do princípio do non reformatio in pejus, que, a rigor, impede que a situação do recorrente seja agravada pelo julgamento de seu próprio recurso.
Por enquanto, resta aguardar como o STJ vai se posicionar. Manterá o entendimento, até então adotado, de limitar a possibilidade de majoração dos honorários advocatícios aos recursos não conhecidos ou integralmente desprovidos? Ou reconhecerá a possibilidade de majoração das referidas verbas, flexibilizando o princípio do non reformatio in pejus nessas situações?
[1] “Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor.”
[2] REsp 1.847.731/RS, 1ª Seção STJ, rel. min. Manoel Erhardt (desembargador convocado do TRF5), data do julgamento: 28 de abril de 2021
[3] “§ 1º São devidos honorários advocatícios na reconvenção, no cumprimento de sentença, provisório ou definitivo, na execução, resistida ou não, e nos recursos interpostos, cumulativamente.” (grifo nosso)
[4] Em geral, os honorários devem ser fixados entre 10% e 20% sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa. Excepcionalmente, nas causas em que a Fazenda Pública for parte, a fixação dos honorários observará os seguintes percentuais: (i) mínimo de 10% e máximo de 20% sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido até 200 salários-mínimos; (ii) mínimo de 8% e máximo de 10% sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 200 salários-mínimos até 2 mil salários-mínimos; (iii) mínimo de 5% e máximo de 8% sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 2 mil salários-mínimos até 20 mil salários-mínimos; (iv) mínimo de 3% e máximo de 5% sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 20 mil salários-mínimos até 100 mil salários-mínimos; (v) mínimo de 1% e máximo de 3% sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 100 mil salários-mínimos.
[5] AgInt no AREsp 416.362/RJ, 3ª Turma STJ, rel. min. João Otávio de Noronha, data do julgamento: 2 de agosto de 2016
[6] AgInt no AREsp 2.277.234/RJ, 2ª Turma STJ, rel. min. Herman Benjamin, data do julgamento: 21 de agosto de 2023; AgInt no REsp 1.675.638/RS, 4ª Turma STJ, rel. min. Maria Isabel Gallotti, data do julgamento: 16 de agosto de 2021; EDcl no REsp 1.856.491/PB, 2ª Turma STJ, rel. min. Herman Benjamin, Segunda Turma, data do julgamento: 19 de abril de 2021
[7] EDs 1400821-82.2018.8.12.0000, 1ª Câmara Cível TJMS, rel. des. Geraldo de Almeida Santiago, data do julgamento: 2 de março de 2021; EDs 07032101120218070002, 6ª Turma Cível TJDF, des. relator Esdras Neves, data do julgamento: 4 de novembro de 2022; EDs 2249395-74.2022.8.26.0000, 4ª Câmara de Direito Privado TJSP, rel. des. Maurício Campos da Silva Velho, data do julgamento: 20 de junho de 2023; EDs 1.0000.23.126990-3/002, 14ª Câmara Cível TJMG, rel. des. Marco Aurelio Ferenzini, data do julgamento: 6 de outubro de 2023.
[8] “Art. 86. Se cada litigante for, em parte, vencedor e vencido, serão proporcionalmente distribuídas entre eles as despesas.
Parágrafo único. Se um litigante sucumbir em parte mínima do pedido, o outro responderá, por inteiro, pelas despesas e pelos honorários.”