O direito ao esquecimento – que envolve a retirada de informações pessoais de plataformas digitais e meios de comunicação – é tema contemporâneo e objeto de intenso debate no cenário jurídico mundial. Ele esbarra em diversas prerrogativas previstas no ordenamento jurídico brasileiro e recentemente foi considerado incompatível com a Constituição Federal pelo Supremo Tribunal Federal (STF) – Tema 786.[1]

Atualmente, a internet está presente no cotidiano das pessoas de maneira tão arraigada que é difícil imaginar que, até poucas décadas atrás, as pesquisas eram feitas em enciclopédias, a comunicação se dava principalmente via ligações telefônicas e as notícias eram veiculadas basicamente em jornal impresso, rádio ou televisão.

Para o bem ou para o mal, hoje estamos a um ou poucos cliques de qualquer pessoa e de qualquer informação. Não por outro motivo, muito se tem falado sobre o efeito Streisand e suas implicações em relação ao direito ao esquecimento.

A expressão surgiu nos Estados Unidos após a ação judicial movida pela atriz e cantora Barbra Streisand contra o fotógrafo Kenneth Adelman, da agência Pictopia, devido à divulgação de diversos registros fotográficos aéreos da costa da Califórnia em um site. Além de indenização por danos morais por suposta violação de sua privacidade, Streisand requeria a remoção do registro aéreo de sua residência, que constava entre as fotografias divulgadas.[2]

Ao contrário do pretendido pela atriz, a ação acabou aumentando sua exposição. Antes do processo judicial, a foto de sua residência havia sido acessada apenas seis vezes – e, segundo notícias veiculadas na mídia, dos seis acessos, dois foram feitos por seus advogados. Com a notoriedade que o caso ganhou após o ajuizamento da ação, a imagem viralizou e o site recebeu aproximadamente 420 mil acessos em um mês.[3]

Nesse contexto, o efeito Streisand “(...) pode ser compreendido, em breve síntese, como a situação na qual, a partir de uma tentativa de censurar determinada informação ou expressão artística do mercado de ideias, a iniciativa resulta na vasta replicação do referido conteúdo, geralmente através das mídias e plataformas digitais, em razão do dinamismo na troca de informações entre seus usuários”.[4]

No Brasil, diversos casos sofreram o efeito Streisand, o que colocou em xeque a eficácia do direito ao esquecimento antes mesmo de sua inconstitucionalidade ser declarada pelo STF.

Em junho de 2012, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), sob a relatoria da ministra Nancy Andrighi, concluiu o julgamento do Recurso Especial 1.316.921/RJ, interposto pelo Google Brasil Internet Ltda. (Google) contra a apresentadora Xuxa Meneghel. O recurso tinha por objetivo a análise do (des)cabimento da imposição de obrigação de se restringir os resultados obtidos em buscas no sistema do Google que associassem a apresentadora à pedofilia, por sua atuação no filme Amor Estranho Amor (1982).[5]

Segundo o STJ, considerando a relação de consumo existente entre os usuários e os provedores de pesquisa, regida pela Lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor – CDC),[6] a responsabilidade do Google deveria ficar limitada à natureza da atividade desenvolvida, destinada exclusivamente a facilitar a localização de informações, independentemente de seu conteúdo.

Assim, o tribunal reconheceu ser inviável impor um juízo discricionário aos provedores de pesquisa e obrigá-los a excluir os resultados obtidos em pesquisas realizadas com determinada palavra, como pretendia a apresentadora. Para chegar a esse entendimento, os ministros consideraram:

  • a inviabilidade de se estabelecer critérios objetivos de limitações à pesquisa – realizada por um sistema cuja capacidade de raciocínio é limitada quando comparada à criatividade do ser humano para burlar eventuais restrições;
  • que eventual censura impediria o acesso a qualquer site que mencionasse o termo (ou expressão) proibido, independentemente de ser o seu conteúdo legal/ofensivo ou não – o que consequentemente reprimiria o direito constitucional à informação.

No entanto, é muito comum haver maior repercussão em redes sociais e sites quando a pessoa busca a tutela judicial e a confidencialidade, em evidente desdobramento do efeito Streisand. Na ferramenta Google Trends, é possível verificar que a pesquisa pelos termos que a apresentadora tentou desindexar aumentou consideravelmente durante o mês do julgamento do processo (junho de 2012), passando na classificação da plataforma de 1 para 43 pontos.[7]

Em caso mais recente (dezembro de 2019), ao apreciar a Reclamação 38.201/SP, proposta pelo jornalista Ulisses Campbell, autor do livro Suzane: assassina e manipuladora,[8] o STF entendeu que a decisão liminar que suspendeu a publicação, divulgação e comercialização da biografia não autorizada de Suzane Von Richtofen, sentenciada pelo assassinato de seus pais, ofenderia a prerrogativa constitucional da liberdade de expressão sob o viés negativo.[9]

Na oportunidade, o ministro Alexandre de Moraes registrou que a vedação à censura prévia, contudo, não isentaria o jornalista de responsabilização por eventuais ofensas aos direitos de personalidade da parricida geradas com a publicação da obra literária, resguardada pelo direito à liberdade de expressão, desta vez, sob o viés positivo.

Afirmou, ainda, que não há qualquer permissivo constitucional que restrinja a liberdade de expressão no sentido negativo, a fim de limitar preventivamente que certas discussões se tornem públicas, o que caracterizaria censura prévia, pois o que a Constituição Federal protege, na verdade, é a liberdade de expressão no sentido positivo, permitindo ao cidadão se manifestar do jeito que quiser.

A esse respeito, destaca-se a observação feita pelo ministro em seu voto, no qual afirma que “[o] direito fundamental à liberdade de expressão, portanto, não se direciona somente a proteger as opiniões supostamente verdadeiras, admiráveis ou convencionais, mas também àquelas que são duvidosas, exageradas, condenáveis, satíricas, humorísticas, bem como as não compartilhadas pelas maiorias”.[10]

Como ocorrido no caso da apresentadora Xuxa, a repercussão do julgado fez com que aumentasse a curiosidade do público em relação ao livro. Basta ver que, na semana de sua estreia (janeiro de 2020), foram vendidos 769 exemplares da biografia de Suzane Von Richtofen, uma quantidade maior, inclusive, que outros best sellers, como o romance da americana Julia Quinn (614 cópias),[11] conhecida mundialmente pela sua coletânea de livros Os Bridgertons.

Ao analisar esses casos, nota-se que a censura de resultados obtidos a partir de consultas feitas em provedores de busca ou de publicação de obras literárias não só encontra obstáculo nas prerrogativas consagradas na Constituição Federal – em especial o direito à informação e às liberdades de expressão e de imprensa –, como eventual discussão a seu respeito pelos atores envolvidos pode, a bem da verdade, contribuir para que determinado fato seja ainda mais lembrado e discutido do que era inicialmente, dada a curiosidade gerada por sua judicialização.

Lucas Faillace Castelo Branco traça importante paralelo com o que é feito na Inglaterra para minar o efeito Streisand. Lá, “[q]uem ingressa com uma ação pleiteando danos pode requerer ao Judiciário não só o segredo de justiça, isto é, que não se divulgue as informações contidas no processo, como também a própria divulgação de que o processo e o sigilo existem, sob pena de crime de desobediência (‘contempt of court’)”.[12]

Embora o STF tenha entendido que o direito ao esquecimento é incompatível com a Constituição Federal quando seu exercício estiver respaldado apenas na passagem do tempo, é possível que o tema venha a ser analisado casuisticamente se configuradas eventuais situações de excessos ou abusos no exercício da liberdade de expressão e de informação.

A propósito, o STJ recentemente concluiu o julgamento do Recurso Especial 1.660.168/RJ, cujo pano de fundo era a análise da possibilidade de desindexação de notícias que utilizassem o nome da parte recorrida nos resultados obtidos em buscas realizadas em certos provedores.

Ao ser provocado pelo ministro vice-presidente do STJ para eventual juízo de retratação, em decorrência da aplicação de entendimento divergente ao Tema 786 do STF, o ministro Marco Aurélio Bellizze assinalou que a decisão proferida pela Terceira Turma daquela Corte não seria contrária ao Tema 786. A decisão, no caso, manteve a condenação de certos provedores de pesquisa a instalar filtros para desvincular o nome de determinada pessoa (parte recorrida) de notícias sobre suposta fraude praticada em concurso público.

No entendimento do ministro relator, a questão teria sido “decidida sob o prisma dos direitos fundamentais à intimidade e à privacidade, bem como à proteção de dados pessoais, e não com base no direito ao esquecimento”. Na oportunidade, o ministro diferenciou a situação de não divulgação de notícias da proibição de veiculação do nome da candidata do concurso público.

Para todos os efeitos, percebe-se que o STJ reconheceu, mais uma vez, a possibilidade de se flexibilizar o Tema 786 e, de alguma forma, resguardar o direito ao esquecimento – ainda que analisado sob outra óptica.

Caso essa análise casuística do tema se torne um posicionamento consolidado, caberá à advocacia, dada a ausência de legislação específica, trabalhar criativamente e desenvolver meios de sobrestar o efeito Streisand nessas situações excepcionais como já ocorre na Inglaterra – para além da tramitação dos processos em segredo de justiça –, sob risco de não haver resultado prático advindo de eventuais julgamentos que reconheçam a aplicabilidade do direito ao esquecimento no caso concreto.

 


[1] "É incompatível com a Constituição Federal a ideia de um direito ao esquecimento, assim entendido como o poder de obstar, em razão da passagem do tempo, a divulgação de fatos ou dados verídicos e licitamente obtidos e publicados em meios de comunicação social - analógicos ou digitais. Eventuais excessos ou abusos no exercício da liberdade de expressão e de informação devem ser analisados caso a caso, a partir dos parâmetros constitucionais, especialmente os relativos à proteção da honra, da imagem, da privacidade e da personalidade em geral, e as expressas e específicas previsões legais nos âmbitos penal e cível" (Leading Case Recurso Extraordinário 1.010.606/RJ, Tribunal Pleno do STF, relator ministro Dias Toffoli, d.j. 11.2.2021).

[2] O que é efeito Streisand? Fenômeno viraliza 'segredos' de famosos. Acesso em 1.8.2022.

[3] The Streisand Effect: When censorship backfires. Acesso em 29.7.2022.

[4] BECKER, Rodrigo Frantz (coord.). Suprema Corte dos EUA: casos históricos. São Paulo: Grupo Almedina, 2022, E-book, p. 339.

[5] Para Luiz Fernando Marrey Moncau, o referido julgamento não versa sobre o direito ao esquecimento, mas sim sobre a desindexação de resultados por mecanismos de busca (MONCAU, Luiz Fernando Marrey, Direito ao Esquecimento: entre a liberdade de expressão, a privacidade e a proteção de dados pessoais, São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020, p. 340). No entanto, para fins do presente artigo e sem desconhecer as discussões terminológicas a respeito do tema, o julgado será abordado como um precedente relacionado ao direito ao esquecimento.

[6] Conforme artigo 3º, §2º, do CDC, “[s]erviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista” (g.n.). Nesse sentido, a ministra Nancy Andrighi registrou em seu voto que, apesar da atividade exercida pelo Google não ser diretamente remunerada por seus usuários, “é clara a existência do chamado cross marketing – ação promocional entre produtos ou serviços em que um deles, embora não rentável em si, proporciona ganhos decorrentes da venda de outros. Apesar das pesquisas realizadas via Google Search serem gratuitas, a empresa vende espaços publicitários no site bem como preferências na ordem de listagem dos resultados das buscas”.

[7] Google Trends. Acesso em 1.8.2022.

[8] Em linhas gerais, a obra conta a história de Suzane Louise Von Richtofen, que foi condenada a 39 anos de reclusão em regime fechado pelo assassinato de seus pais (CAMPBELL, Ullisses. Suzane: assassina e manipuladora. 1ª ed. São Paulo: Matrix, 2020).

[9] Conforme lições de Luis Pinto Ferreira (Comentários à Constituição brasileira. São Paulo: Saraiva, 1989. v. 1, p. 68), citado pelo ministro relator, a liberdade de expressão é resguardada pela CF sob dois aspectos: o positivo, o qual visa proteger a externalização da manifestação, e o negativo, que se volta à “proibição da censura”.

[10] Reclamação 38.201/SP, Primeira Turma do STF, relator min. Alexandre de Moraes, d.j. 21.2.2020.

[11] Biografia não autorizada de Suzane von Richthofen chega à lista. Acesso em 1.8.2022

[12] O efeito Streisand. Acesso em 1.8.2022.