A falta de recursos para arcar com os altos custos da instauração de determinados procedimentos litigiosos – judiciais ou arbitrais – pode dificultar bastante ou, até mesmo, impedir o ajuizamento de ações judiciais ou a instauração de procedimentos arbitrais.
Para remediar o problema, criou-se a figura do financiamento de litígios por terceiros (third-party funding). Esse recurso possibilita a um terceiro que não é parte da disputa – seja ele uma instituição financeira, sociedade empresária ou até mesmo pessoa natural – arcar com os custos e despesas de determinado procedimento.[1]
Em troca, normalmente, esse terceiro recebe uma parcela ou porcentagem da vantagem financeira eventualmente obtida pela parte financiada, caso esta vença o litígio.[2]
Por outro lado, caso a parte financiada for vencida, a financiadora arcará com todos os custos do procedimento sem receber nenhuma contraprestação. Esse é, precisamente, o risco do negócio – e a razão pela qual o arranjo costuma ser precedido por uma cuidadosa análise da probabilidade de êxito por parte dos financiadores.
O instituto ainda não é tão difundido no Brasil, apesar de o financiamento de litígios por terceiros já ser prática amplamente reconhecida na arbitragem internacional e no contencioso judicial em outros países. Nos Estados Unidos, por exemplo, o third-party funding é bastante usual, principalmente no ajuizamento das chamadas class actions.
Seu uso, porém, vem crescendo gradativamente no cenário nacional, especialmente com a criação de fundos para esse propósito específico. Aqueles que defendem esse tipo de arranjo, apontam como pontos positivos:
- A viabilização da instauração de procedimentos (especialmente arbitrais) que seriam financeiramente inviáveis para o detentor do direito;
- A disseminação do procedimento arbitral entre partes com menor poder econômico;
- A redução do número de procedimentos com “mérito fraco”, na medida em que os terceiros financiadores tendem a fazer uma avaliação independente e impessoal sobre a pretensão, aceitando somente as que atendam aos seus critérios de investimento, isto é, que tenham chances razoáveis de sucesso;
- A preocupação do terceiro investidor para que o procedimento seja tão econômico e objetivo quanto possível; e
- O desafogamento do Poder Judiciário, na medida em que se permite o acesso a outros meios de resolução de conflitos mais custosos.
Por outro lado, alguns contrapontos ainda geram resistência ao financiamento por terceiros no Brasil, por exemplo:
- O risco de violação à imparcialidade dos árbitros e do julgamento, bem como de condutas de corrupção;
- A possibilidade de estimular litígios desnecessários, como uma forma de os financiadores lucrarem com as demandas;
- O risco do chamado “ativismo minoritário”, que poderia resultar no ajuizamento de ações de responsabilidade do financiador contra o controlador, visando receber prêmio e honorários de que tratam o artigo 246 da Lei de Sociedades Anônimas; e
- A possibilidade de divergência entre a parte financiada e o financiador ao longo do processo.
Outro fator que gera insegurança e, consequentemente, atrasa a consolidação da prática do financiamento por terceiros em âmbito nacional é a inexistência de qualquer regulamentação específica sobre a matéria. Há apenas algumas recomendações de boas práticas editadas por câmaras arbitrais.[3]
Uma questão relevante a ser avaliada e sobre a qual ainda não há definição segura, por exemplo, é a obrigação ou não da parte financiada de revelar informações sobre o financiamento e a identidade do(s) financiador(es).
Sobre esse ponto, as câmaras arbitrais brasileiras têm recomendado que as partes informem, na primeira oportunidade, a qualificação completa do(s) financiador(es) ao tribunal arbitral, que deverá transmitir esses dados aos árbitros e demais partes. O objetivo é evitar que a imparcialidade dos árbitros em relação ao financiador possa ser comprometida de alguma forma.[4]
Embora a jurisprudência sobre o assunto ainda seja bastante incipiente, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) proferiu uma decisão recente sobre o tema e estabeleceu os primeiros contornos das informações que deverão ser divulgadas em situações de third-party funding.
No caso, um acionista minoritário havia ingressado com ação de responsabilidade contra o controlador de uma companhia alegando abuso de poder. Os controladores passaram a solicitar que, além do nome do financiador, fossem apresentados os contratos e documentos relacionados ao financiamento do litígio por terceiro.
O juízo de primeira instância determinou que fossem apresentados aos autos os contratos celebrados com os fundos responsáveis pelo financiamento do litígio. O argumento é que seria necessário apurar se, naquele caso, a parte financiada estaria sendo utilizada como pessoa interposta para ocultar a identidade dos verdadeiros autores da ação.
Os desembargadores da 2ª Câmara de Direito Empresarial do TJSP, porém, em votação unânime, entenderam ser irrelevante a apresentação dos documentos relacionados ao financiamento, bem como a revelação da identidade de outros potenciais financiadores.
A decisão foi proferida em 20 de setembro deste ano pelo desembargador relator Natan Zelinschi de Arruda, no âmbito do Agravo de Instrumento 2153411-63.2022.8.26.0000 interposto pela parte financiada. Os desembargadores da 2ª Câmara de Direito Empresarial do TJSP que analisaram o caso entenderam que:
- o financiamento de litígios é admitido no ordenamento jurídico, inexistindo qualquer impedimento para que a parte “busque a ajuda de terceiros para compartilhar os altos custos e os resultados de uma demanda”; e
- investigar a identidade dos financiadores seria totalmente irrelevante para a solução do mérito da controvérsia.
A questão chegará ao Superior Tribunal de Justiça pela primeira vez, já que a parte agravada interpôs recentemente recurso especial contra o acórdão do TJSP.
Concorde-se ou não com a resolução dada pelo TJSP ao tema, o simples fato de a matéria estar sendo agora enfrentada em nossos tribunais é louvável. Com a decisão, a tendência é que financiadores e partes financiadas tenham maior segurança e melhor capacidade de prever as informações que poderão vir a ser divulgadas. Isso permitirá que esses agentes tomem decisões mais bem informadas quando optarem pelo financiamento de determinada disputa.
Caso a tendência internacional seja seguida, o financiamento de litígios por terceiros no Brasil será um instituto cada vez mais frequente e usual. Consequentemente, mais questões controversas sobre o tema certamente serão objeto de muitas discussões nos tribunais brasileiros até que a matéria seja, enfim, devidamente regulamentada ou pacificada em nossa jurisprudência.
[1] O financiamento pode abranger as custas administrativas, os honorários de árbitros, advogados, peritos, e, até mesmo, valores de condenações.
[2] Embora essa seja a prática mais comum, o financiador e a parte financiada têm liberdade para decidir a remuneração do financiador da maneira que entenderem mais conveniente.
[3] A exemplo das diretrizes estabelecidas na Resolução Administrativa 18/16, instituída pelo Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil-Canadá (CAM-CCBC) e da Resolução Administrativa 14/20, editada pela Câmara de Mediação e Arbitragem Empresarial – Brasil (Camarb).
[4] Vide Resolução Administrativa 18/16, instituída pelo Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil-Canadá (CAM-CCBC) e da Resolução Administrativa 14/20, editada pela Câmara de Mediação e Arbitragem Empresarial – Brasil (Camarb)