Um projeto-piloto elaborado para criar um núcleo de cooperação que visa reduzir o número de processos de falência e recuperação judicial em Minas Gerais está em atividade desde fevereiro. A iniciativa possibilitará maior especialização dos magistrados e servidores públicos e, com isso, tem potencial para aumentar a produtividade e acelerar a análise dos processos em tramitação no estado,[1] sobretudo no processamento de demandas empresariais, reconhecidamente complexas.

O projeto foi implantado pelo desembargador Gilson Soares Lemes, presidente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), e será implementado, em um primeiro momento, pelos juízes titulares da 1ª e 2ª Varas Empresariais da Comarca de Belo Horizonte, que atuarão juntos no exame dos processos falimentares e recuperacionais em tramitação nas comarcas do estado. As outras matérias que envolvem direito empresarial serão analisadas por juízes auxiliares designados pelo tribunal.

Na segunda etapa, os processos de falência e recuperação judicial distribuídos nas comarcas do estado serão repassados para unidades judiciárias especializadas de Minas Gerais. Segundo dados levantados, atualmente há cerca de três mil processos de falência e recuperação judicial[2] aguardando julgamento nas 296 comarcas do estado.

A Justiça mineira já vinha implantando medidas para tornar a prestação de serviços judiciários mais eficiente, eficaz e acessível à sociedade. Entre elas está Resolução 977/21, editada pelo TJMG em 16.11.2021. A resolução aprovou a instalação da 21ª Câmara Cível que, juntamente com a 16ª Câmara Cível, será responsável por processar e julgar, de forma exclusiva, recursos e incidentes relativos a:

  • direito empresarial;
  • registros públicos;
  • direito previdenciário no qual o INSS seja parte; e
  • demais matérias descritas no Anexo II da referida resolução.[3]

As medidas estão em sintonia com as premissas estabelecidas no Programa Justiça 4.0, lançado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em janeiro de 2021. O objetivo do CNJ é promover o aperfeiçoamento das políticas judiciárias, incluindo a implementação de inovações tecnológicas e o aumento da governança e transparência do Poder Judiciário.

A criação de varas e câmaras especializadas em direito empresarial é uma prática adotada há anos pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) e tem ajudado a tornar a Justiça mais ágil.

Um importante estudo jurimétrico sobre as varas empresariais da comarca de São Paulo[4] feito pela Associação Brasileira de Jurimetria (ABJ) analisou mais de 300 mil processos distribuídos ao longo de três anos (2013 a 2015) nas 44 varas cíveis e duas varas de falência do Foro Central de São Paulo.[5] No estudo, foram levantados a quantidade de feitos concluídos e o tempo gasto pelos juízes para a tomada de decisões. Constatou-se que os processos de falência e recuperação judicial demandam três vezes mais tempo de análise pelos magistrados do que os processos cíveis comuns. Outras demandas empresariais, como litígios societários, demandam mais do que o dobro do tempo de trabalho.[6] Esses dados foram utilizados pelo TJSP para justificar a criação de varas regionais especializadas em direito empresarial na Grande São Paulo.[7]

As mudanças promovidas pelo TJMG mostram também a disposição de fomentar a estabilidade da jurisprudência de direito empresarial, o que é positivo e louvável. O aumento da segurança jurídica e o aprimoramento das decisões judiciais estão intrinsecamente ligados ao aumento da confiança dos cidadãos, empresários e investidores, fatores determinantes para impulsionar a economia local.

Para que todas as alterações propostas possam ser implementadas, será necessário delimitar cuidadosamente as matérias a serem julgada pelas varas especializadas e determinar com a maior clareza possível a competência desses órgãos. Isso evitará a anulação de decisões proferidas por juízos incompetentes e o ajuizamento de conflitos de competência, o que sobrecarregaria desnecessariamente o Poder Judiciário.

A iniciativa do TJMG deve ser valorizada, pois, em médio e longo prazo, atenderá às garantias constitucionais relacionadas à razoável duração do processo e ao princípio da eficiência, previstas no artigo 5º, LXXVIII, da Constituição Federal (CF). Ressaltamos, porém, que para melhor eficácia da medida, deve-se fazer uma revisão das matérias dispostas no artigo 3º, inciso II, da Resolução TJMG 977/21, para tornar mais claras algumas de suas previsões e, se necessário, delimitar ainda mais a competência das 16ª e 21ª Câmaras Cíveis.

 


[1] De acordo com o CNJ, 67,5% das comarcas brasileiras são providas com apenas uma vara sem especialização. Além disso, aproximadamente 65% das unidades judiciárias são de juízo único ou de competência exclusiva cível ou criminal. Fonte: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2021/11/relatorio-justica-em-numeros2021-221121.pdf – p. 222. Acesso em 21.2.2022.

[2] Fonte: https://www.tjmg.jus.br/portal-tjmg/noticias/tjmg-apresenta-projeto-para-dar-celeridade-a-tramitacao-processual.htm#; acesso em 21.2.2022

[3] Conforme artigo 3º, inciso II, da Resolução. Inteiro teor: http://www8.tjmg.jus.br/institucional/at/pdf/re09772021.pdf ; acesso em 21.2.2022

[4] Fonte: https://abj.org.br/cases/varas-empresariais/ Acesso em 21.2.2022.

[5] Apesar de não se ter notícias de um estudo de jurimetria no estado de Minas Gerais semelhante ao desenvolvido pela ABJ em São Paulo, nota-se que os indicadores de produtividade dos magistrados e dos servidores do TJMG foram inferiores à média nacional em 2021. De acordo com o CNJ, o TJMG teve 1.471 processos baixados em 2021, enquanto a média nacional foi de 1.672. Fonte: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2021/11/relatorio-justica-em-numeros2021-221121.pdf - pp. 121 e 125. Acesso em 22.2.2022.

[6] Fonte: https://abj.org.br/pdf/ABJ_varas_empresariais_tjsp.pdf Acesso em 21.2.2022.

[7] Fonte: https://www.conjur.com.br/2019-dez-03/tj-sp-inaugura-varas-empresariais-regionais-grande-sao-paulo Acesso em 23.2.2022.