O Superior Tribunal de Justiça (STJ) concluiu o julgamento do Recurso Especial 2.109.209/CE, de relatoria da ministra Nancy Andrighi, e definiu que a exigência de depósito prévio da multa prevista no artigo 1.021, parágrafo 5º,[1] do Código de Processo Civil (CPC) não pode condicionar o processamento de recursos que visam combater uma decisão originária diferente, proferida em outro momento processual.
Na hipótese em questão, o Tribunal de Justiça do Estado do Ceará não conheceu recurso de apelação, sob o fundamento de que o depósito da multa anteriormente aplicada no julgamento de agravo interno originado de decisão liminar condicionaria o processamento de qualquer outro recurso manejado pela parte penalizada, ainda que interposto em face da sentença.
Ao adequar a interpretação do parágrafo 5º do artigo 1.021 do CPC, a Terceira Turma do STJ reformou o entendimento do tribunal de origem. Com isso reforçou que o depósito prévio da multa não impede o conhecimento de recursos supervenientes que não pretendem rediscutir a matéria já apreciada, em relação a qual tenha sido reconhecido abuso no direito de recorrer.
Em conformidade com o posicionamento do Supremo Tribunal Federal (STF),[2] o STJ reconheceu que a multa prevista no parágrafo 4º[3] do artigo 1.021 do CPC visa coibir “abusos e desvios de caráter ético-jurídico”. Isso, porém, não pode violar o direito de acesso à Justiça.
A penalidade não é automática e sua aplicação é cabível apenas nas hipóteses de manifesta inadmissibilidade ou manifesta improcedência do agravo interno. Trata-se de medida que tem como objetivo coibir conduta processual abusiva, que utilize indevidamente instrumentos processuais sem fundamento jurídico válido.
No entanto, o recolhimento do valor da multa aplicada em decorrência de abuso do direito de recorrer sobre determinada questão não pode condicionar o conhecimento de todo e qualquer recurso interposto nos autos, especialmente os voltados contra outras matérias e/ou decisões.
Trata-se de lógica que flui naturalmente dos princípios do acesso à Justiça, da ampla defesa e do duplo grau de jurisdição. Assim, bem fez a decisão do STJ ao não admitir a imposição do tribunal de origem para conhecimento de recurso interposto em momento processual distinto.
A exigência de depósito prévio do valor da penalidade também não é admitida no caso de recurso que se limita à própria impugnação da multa aplicada em decorrência do artigo 1.021, parágrafo 4º, do CPC.
Ao apreciar o tema, a mesma Terceira Turma do STJ, sob relatoria do ministro Moura Ribeiro,[4] destacou que “a multa imposta como requisito de admissibilidade para novos recursos somente obsta o conhecimento das irresignações supervenientes que tenham por objetivo discutir matéria já apreciada e com relação a qual tenha ficado reconhecida a existência de abuso no direito de recorrer”.
Concluiu, assim, que a contestação da multa em si é matéria inteiramente nova. Dessa forma, a pendência de recolhimento prévio do valor da multa não impede o conhecimento do recurso correspondente.
O posicionamento do STJ, portanto, reforça os postulados constitucionais do acesso à Justiça, da ampla defesa e do duplo grau de jurisdição, ao refutar a exigência de recolhimento prévio da multa como requisito de admissibilidade de recursos dissociados da decisão originária da penalidade e/ou limitados à reforma de sua própria imposição.
[1] “§5º A interposição de qualquer outro recurso está condicionada ao depósito prévio do valor da multa prevista no § 4º, à exceção da Fazenda Pública e do beneficiário de gratuidade da justiça, que farão o pagamento ao final.”
[2] ARE 951.191-AgR, relator ministro Marco Aurélio, 1ª Turma, DJe 23 de junho de 2016; e ARE 955.842-AgR, relator ministro Dias Toffoli, 2ª Turma, DJe 28 de junho de 2016.
[3] “§4º Quando o agravo interno for declarado manifestamente inadmissível ou improcedente em votação unânime, o órgão colegiado, em decisão fundamentada, condenará o agravante a pagar ao agravado multa fixada entre um e cinco por cento do valor atualizado da causa.”
[4] EDcl no AgInt no Agravo em REsp 966430/SP, Terceira Turma STJ, relator ministro Moura Ribeiro, d.j. 21 de setembro de 2020.