Um dos principais problemas na Justiça brasileira é a falta de efetividade nas execuções, que muitas vezes se arrastam por anos, especialmente em razão da impossibilidade de localizar bens dos devedores aptos a satisfazer a dívida, mesmo após inúmeras diligências. Nesse contexto, muitos juízes têm determinado, com base no artigo 139, inciso IV, do CPC, a apreensão ou suspensão da carteira nacional de habilitação (CNH) e do passaporte do devedor como forma de compeli-lo a cumprir suas obrigações.
Contudo, ainda há divergência quanto à possibilidade de suspensão/apreensão desses documentos. Discute-se especialmente a constitucionalidade de tais medidas coercitivas, que poderiam, em tese, violar preceitos constitucionais, como a garantia de liberdade de locomoção e o direito de ir e vir.
A matéria foi submetida à análise do Superior Tribunal de Justiça (STJ) recentemente no julgamento de recurso em habeas corpus impetrado em face de decisão da Justiça Estadual de São Paulo, que determinou a suspensão do passaporte e da carteira de motorista de um devedor inadimplente em quase R$ 17 mil (RHC 97.876/SP)”.
No caso, o STJ entendeu que a apreensão do passaporte foi desproporcional e não razoável, ofendendo o direito constitucional de ir e vir do devedor. Todavia, com relação à CNH, o STJ decidiu que a suspensão do documento seria devida, na medida em que não haveria afronta ao direito de locomoção, pois, ainda que o devedor não esteja autorizado a conduzir um automóvel, o seu direito de ir e vir está garantido.
A mesma decisão ressaltou, ainda, que a apreensão do passaporte poderia se mostrar adequada em outro contexto – como na busca de bens de devedor que possui dinheiro no exterior.
Em outras duas decisões, o STJ também confirmou a possibilidade de suspensão do direito de dirigir do devedor inadimplente, aduzindo que essa medida coercitiva não impede o direito de locomoção (RHC 88.490/DF e HC 428.553/SP).
Dessa forma, o STJ indica que a suspensão ou a apreensão da CNH de devedor inadimplente é medida válida como forma de compeli-lo a cumprir a obrigação de pagar.
De todo modo, conforme explicitado pelas recentes decisões proferidas pelo STJ, a aplicação das medidas coercitivas atípicas autorizadas pelo artigo 139, inciso IV, do CPC depende da análise fática de cada caso, que permitirá verificar sua proporcionalidade e adequação. Entende-se que tais medidas cabem apenas quando as demais providências tipificadas no código processual já tiverem sido esgotadas e restarem infrutíferas.
O tema deverá ser analisado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em razão de ação direta de inconstitucionalidade proposta em maio deste ano pelo Partido dos Trabalhadores. O autor da ação alega que a suspensão e apreensão de documentos para compelir o devedor a pagar uma dívida, com base no artigo 139, inciso IV, do CPC, violaria direitos fundamentais de liberdade de locomoção e da dignidade da pessoa humana. Caberá ao ministro Luiz Fux, relator do caso, analisar a ação para que o STF profira a sua decisão.