A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu recentemente um importante precedente para os litigantes em procedimento arbitral, ao julgar o Recurso Especial 1.900.136-SP, relatado pela ministra Nancy Andrighi.[1] Na ocasião, o STJ confirmou (por unanimidade) acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que rejeitou a impugnação ao cumprimento de sentença arbitral, reconhecendo a decadência do direito de ação. A impugnação, embora fundada em hipótese de nulidade estabelecida no artigo 32 da Lei 9.307/96 (Lei de Arbitragem – LArb) e protocolada no prazo de defesa previsto no artigo 525 do Código de Processo Civil (CPC), foi apresentada após o prazo decadencial de 90 dias para propor ação anulatória de sentença arbitral.
Em setembro de 2021, o entendimento foi ratificado pela mesma turma no julgamento do Recurso Especial 1.862.147-MG, sob relatoria do ministro Marco Aurélio Belizze.[2] O julgado confirmou acórdão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais – proferido antes do julgado sob relatoria da ministra Nancy Andrighi – pela rejeição às impugnações das recorrentes ao cumprimento de sentença arbitral por sua decadência.
O debate se estabeleceu pela falta de menção expressa ao prazo decadencial no § 3º do artigo 33 da LArb, que trata da declaração de nulidade da sentença arbitral no âmbito de impugnação ao cumprimento de sentença. A LArb indicou o prazo de 90 dias somente no § 1º do mesmo artigo 33, a respeito da “demanda para a declaração de nulidade da sentença arbitral”. Isso abriu espaço para a interpretação de que essa nulidade poderia ser alegada em defesa do cumprimento de sentença, sendo indiferente o momento em que o credor tenha ajuizado a execução. Entretanto, segundo a perspectiva adotada nos julgados da Terceira Turma do STJ, não existe tal diferenciação.
O acórdão relatado pelo ministro Marco Aurélio Belizze foi didático ao expor que o prazo decadencial de 90 dias para a instauração de ação anulatória de sentença arbitral deve ser observado também na hipótese de pedido de declaração de nulidade da sentença em caso de impugnação ao cumprimento de sentença, o que é facultado pelo § 3º do mesmo artigo 33.
Ainda nesse sentido, o ministro anotou que a defesa ao cumprimento de sentença arbitral que tenha por fundamento uma das circunstâncias dispostas no artigo 32 da LArb deve observar, além do prazo de 15 dias designado pelo CPC para a apresentação da impugnação ao cumprimento de sentença (a partir da intimação nos autos do cumprimento de sentença), o prazo decadencial de 90 dias, contado a partir da notificação da respectiva sentença ou da decisão do pedido de esclarecimentos.
Como fundamento da decisão, o ministro Marco Aurélio Belizze assinalou que “a pretensão de anular a sentença arbitral deve ser intentada de imediato”, em respeito à celeridade, à efetividade e à segurança jurídica, objetivos caros às partes que escolhem submeter seu litígio à arbitragem. Disse ainda não existir respaldo legal que ampare uma distinção entre os procedimentos previstos em lei para se obter a declaração de nulidade da sentença arbitral, de modo a permitir que apenas a ação anulatória se sujeite a prazo decadencial para sua propositura.
O ministro Marco Aurélio Belizze já formulara em ocasiões anteriores alguns dos conceitos que levaram ao seu convencimento. Nos julgamentos do Recurso Especial 1.519.041-RJ, em 1º de setembro de 2015, e do Recurso Especial nº 1.543.564-SP, em 25 de setembro de 2018, ambos sob sua relatoria, a Terceira Turma do STJ rejeitou a tese de que a declaração de nulidade de sentença arbitral parcial por ação anulatória só poderia ser obtida após a prolação da sentença arbitral final. Entendeu, ao contrário, que a ação anulatória de sentença arbitral parcial deve ser proposta dentro do prazo decadencial contado a partir da notificação a seu respeito.
Naquelas oportunidades, o voto do relator registrou, da mesma forma que na recente decisão, que a ação anulatória deve ser apresentada de imediato e que as partes signatárias de convenção de arbitragem merecem ter asseguradas a celeridade, a efetividade e a segurança jurídica.
No acórdão sob relatoria da ministra Nancy Andrighi, destacou-se que a decadência veda apenas a impugnação ao cumprimento de sentença arbitral com base nas hipóteses definidas pelo artigo 32 da LArb, permanecendo o executado plenamente apto a se defender do cumprimento de sentença arbitral quanto às matérias estritamente especificadas no artigo 525, § 1º, do CPC.
O STJ parece ter sedimentado entendimento sobre a conformidade do prazo decadencial de 90 dias, confirmando um posicionamento que já vinha sendo defendido pelos tribunais estaduais. Os acórdãos do STJ já citados mantiveram os julgados de instância inferior com idêntica interpretação do artigo 33 da LArb e de seus parágrafos.[3]
A prerrogativa do autor da ação de escolher a data de propositura do cumprimento de sentença arbitral, desde que respeitado o prazo prescricional aplicável, não se espelha para o devedor e parte vencida do procedimento arbitral. Caso a execução seja distribuída passados os 90 dias previstos na LArb, não terá o executado a possibilidade de arguir a nulidade da sentença arbitral para se defender do cumprimento de sentença.
Apesar das duas vias conferidas pela LArb para impugnar a validade da sentença arbitral, na prática, ela só estará assegurada pelo manejo da ação anulatória, pois a data do ajuizamento do cumprimento de sentença não está sob controle da parte vencida.
[1]Julgamento em 6 de abril de 2021, com publicação em 15 de abril de 2021.
[2] Julgamento em 15 de setembro de 2021, com publicação em 20 de setembro de 2021.
[3] Em pesquisa, é possível encontrar julgados em sentido contrário, pela não aplicação do prazo decadencial à impugnação ao cumprimento de sentença. Porém, eles encerram certas particularidades, além de terem sido proferidos em anos anteriores. Por exemplo, em acórdão do TJSP, compreendeu-se que o executado não tivera conhecimento do proferimento da sentença arbitral, razão pela qual o prazo decadencial não poderia ter se iniciado (AI 2224065-17.2018.8.26.0000, desembargador Antonio Rigolin, Trigésima Primeira Câmara de Direito Privado, julgado em 29/04/2019, DJe 02/05/2019). Em julgado, por sua vez, do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR), a decadência foi afastada sob o entendimento de que a impugnação ao cumprimento de sentença arbitral tivera como base uma das hipóteses previstas no CPC, de inexigibilidade do título (artigo 475-L, II, do CPC/73, então vigente), muito embora a inexigibilidade, por sua vez, decorresse da alegada nulidade da sentença arbitral (Apl Civ 0016842-46.2014.8.16.0001, Décima Primeira Câmara Cível, desembargador Eduardo Novacki, julgado em 03/08/2020).