Os consumidores são definidos como os destinatários finais de produtos ou serviços, de acordo com o art. 2º do Código de Defesa do Consumidor (CDC). No entanto, o art. 17 do CDC estabelece que as pessoas afetadas por dano causado por produto ou serviço também se equiparam a consumidores.
Assim, desde a sua promulgação, o CDC permite a ampliação do conceito de consumidor para compreender também vítimas “colaterais” ocasionadas no contexto da cadeia produtiva e de consumo.
O assunto desperta a atenção de empresas e advogados, inclusive por seus impactos nos negócios de modo geral, e a cada julgamento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre a questão reacende-se o interesse dos estudiosos.
Em vários casos mencionados a seguir, podemos ver como os precedentes do STJ sobre o consumidor por equiparação vêm evoluindo com o tempo.
Em 2012, por exemplo, ao julgar caso envolvendo acidente de veículos, sendo um deles um táxi, o STJ entendeu que “o sujeito da relação de consumo não precisa necessariamente ser parte contratante, podendo também ser um terceiro vitimado por essa relação que o direito norte-americano – no qual o instituto teve origem – chama de bystander”.[1]
Apesar de, nesse caso, não ter havido a efetiva equiparação da vítima a consumidor porque o táxi não estava em serviço no momento da colisão, houve, como se extrai do trecho transcrito, reconhecimento da possibilidade de aplicação do instituto.
Também em 2012, durante apreciação de célebre caso de acidente aéreo, o STJ reconheceu que todos aqueles que foram atingidos pelo desastre, independentemente de serem passageiros da aeronave afetada, deveriam ser considerados consumidores por equiparação.
O ministro relator no caso ressaltou que “as vítimas de acidentes aéreos localizadas em superfície são consumidores por equiparação (bystanders), devendo ser a elas estendidas as normas do Código de Defesa do Consumidor relativas a danos por fato do serviço (art. 17, CDC)”.[2]
Já em 2016, ao se deparar com caso envolvendo vazamento de petróleo em área de proteção ambiental, o STJ entendeu pela aplicação do CDC às vítimas do evento danoso por equiparação: “Os autores foram vítimas de acidente de consumo, visto que suas atividades pesqueiras foram supostamente prejudicadas pelo derramamento de óleo ocorrido no Estado do Rio de Janeiro. Aplica-se à espécie o disposto no art. 17 do Código de Defesa do Consumidor”.[3]
Mais recentemente, em 2020, o entendimento do STJ foi testado durante o julgamento de um caso sobre o atropelamento de um gari por um ônibus que transportava passageiros. Ou seja, o profissional vitimado não tinha nenhuma conexão com a relação de consumo entre passageiros (todos saíram ilesos do acidente) e transportadora.
Mesmo assim, o relator do caso asseverou o seguinte: “A circunstância de o único vitimado pelo acidente alegadamente causado pelo ônibus de propriedade da recorrida, quando da prestação de serviços de transporte de pessoas no Rio de Janeiro, ser terceiro à relação de consumo não afasta a sua condição de consumidor por equiparação, senão concretiza exatamente a hipótese do art. 17 do CDC, que ampliou o conceito básico de consumidor do art. 2º da Lei 8078/90”.[4]
Assim, o STJ entendeu que basta haver uma relação de consumo e que o serviço ou produto esteja sendo oferecido dentro do escopo do CDC para que, no acidente resultante dessa relação, a legislação consumerista e todos os seus institutos protetivos se apliquem às vítimas, envolvidas ou não na cadeia de consumo.
Nesse contexto, apesar de nenhum dos consumidores diretos da transportadora ter se ferido, o STJ decidiu pela ampliação das medidas protetivas do CDC ao gari vitimado por equiparação.
Finalmente, já em 2023, o STJ mais uma vez se pronunciou a respeito da possibilidade de equiparação de vítimas de acidentes a consumidores: em ação indenizatória por danos decorrentes da exploração de hidroelétrica, questionava-se se as vítimas de tais danos poderiam ser consideradas consumidores por equiparação.
Em tal oportunidade, o STJ fez alusão à teoria do risco do empreendimento adotada pelo CDC, concluindo que “na hipótese de danos individuais decorrentes do exercício de atividade empresarial destinada à fabricação de produtos ou prestação de serviços, é possível, em virtude da caracterização do acidente de consumo, o reconhecimento da figura do consumidor por equiparação, o que atrai a incidência das disposições do Código de Defesa do Consumidor”.[5]
Ao analisar os precedentes, é possível observar uma evolução contínua do tema no tribunal. É estrategicamente importante acompanhar de perto essa evolução, pois a identificação correta e rápida de consumidores por equiparação nos casos concretos permite determinar se a legislação de proteção ao consumidor pode ser aplicada com o objetivo de equilibrar a relação entre consumidores, mesmo os equiparados, e fornecedores.
Identificar em cada caso específico quem são os potenciais consumidores por equiparação permite que o fornecedor de produtos e serviços antecipe questões cruciais em disputas, como a aplicação facilitada da inversão do ônus da prova, a competência para o processamento de ações e até os direitos a serem observados pelo julgador.
[1]REsp 1125276/RJ, rel. ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 28/02/2012, DJe 07/03/2012.
[2]REsp 1281090/SP, rel. ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 07/02/2012, DJe 15.03.2012.
[3] CC nº 143.204/RJ, relator ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Segunda Seção, julgado em 29.02.2016. No mesmo sentido, “Conforme a jurisprudência desta Corte Superior, definida em caso semelhante ao dos autos, na presente hipótese, os autores são equiparáveis a consumidores, configurando-se o vazamento de petróleo como acidente de consumo, o qual, supostamente, teria prejudicado a atividade pesqueira dos interessados” (CC n. 132.505/RJ, relator ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Segunda Seção, julgado em 03.02.2015).
[4]REsp 178.731-8, relator ministro Paulo De Tarso Sanseverino, Terceira Turma, julgado em 16/06/2020, DJe 18.06.2020.
[5]REsp n. 2.018.386/BA, relatora Ministra Nancy Andrighi, Segunda Seção, julgado em 10/5/2023, DJe de 12/5/2023.