O princípio da proteção ao direito de propriedade está previsto no artigo 5º, inciso XXII, da Constituição Federal.
Apesar dessa garantia constitucional, na prática muitas empresas enfrentam o tormentoso problema de se deparar com a penhora de seus bens por ordem da Justiça do Trabalho.
A constrição patrimonial pode ocorrer justamente após a aquisição do imóvel – mas antes do seu efetivo registro –, quando a Justiça do Trabalho (reconhecendo uma possível fraude na execução) determina a expedição de ordem de indisponibilidade de bens do executado, a ser registrada no cartório de registro de imóveis. O terceiro adquirente somente toma conhecimento da indisponibilidade do imóvel quando tenta realizar o registro no cartório.
Ocorre que, como regra geral de direito, apenas os bens que compõem o patrimônio do devedor respondem pelas dívidas que ele contraiu (CPC, art. 789). Por isso, no sistema jurídico do país, o reconhecimento da ineficácia de negócios jurídicos devido a fraude contra credores – ou fraude na execução – para atingir bem que tenha sido incorporado ao patrimônio de terceiro é considerado algo excepcional.
Os requisitos que caracterizam a fraude na execução, definidos pela legislação, pela doutrina e jurisprudência, são:
- a transferência do bem a terceiro após a citação do devedor sobre demanda capaz de torná-lo insolvente;
- a prova da insolvência do devedor no momento da alienação do bem até a atualidade;
- a intenção do devedor em evitar que o bem alienado responda pela dívida (concilium fraudis); e
- a prova de que o terceiro adquirente do bem tinha ciência da demanda em curso e agiu em conluio.
Presume-se, portanto, a boa-fé do adquirente.
Há, porém, muitos casos na Justiça do Trabalho em que os juízes declaram a fraude na execução e determinam a penhora de bens e a abertura de hasta pública, cabendo ao adquirente de boa-fé reverter essa decisão. Os julgamentos, nesses casos, muitas vezes chegam até o Tribunal Superior do Trabalho (TST).
O que fazer para evitar que se declare fraude na execução?
Uma medida importante é realizar a chamada “diligência prévia”.
As operações de compra e venda de imóveis, em especial, requerem a emissão de algumas certidões, entre elas a Certidão de Ação Trabalhista (CAT).
Por meio da CAT é possível verificar se existem demandas trabalhistas em trâmite contra pessoas ou empresas, independentemente da fase processual. Cada tribunal regional do Trabalho emite esse documento de acordo com a sua circunscrição. Em alguns tribunais, como o TRT da 2ª Região, já é possível solicitar e autenticar a CAT de forma on-line e gratuita no próprio site do tribunal.
Já a Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas (CNDT) serve para atestar se pessoas físicas ou jurídicas são inadimplentes em processo de execução trabalhista definitiva. A certidão é nacional, expedida pelo TST, com base em informações enviadas pelos tribunais regionais. A solicitação da CNDT também é eletrônica e gratuita.
Outra importante diligência prévia é verificar a matrícula atualizada do imóvel. Isso também traz mais segurança para o negócio, já que a Lei Federal 13.097/15 instituiu, em seu art. 54, o princípio da concentração dos atos registrais e estabeleceu que não poderão ser opostas ao adquirente de boa-fé situações jurídicas não constantes da matrícula no registro de imóveis.
Esse princípio tem por objetivo proteger o direito de propriedade do adquirente de boa-fé contra eventuais surpresas do negócio.
Se no momento da aquisição do imóvel inexistia indisponibilidade inscrita no registro imobiliário, não há como se presumir a má-fé por parte do terceiro comprador. Entendimento diverso viola o princípio da legalidade, presente no artigo 5º, inciso II, da Constituição Federal.
As empresas, portanto, devem realizar auditorias prévias para verificar eventuais apontamentos nos imóveis e assim garantir maior segurança jurídica ao negócio.
Se o adquirente ainda se deparar com uma ordem de constrição do imóvel, mesmo após tomar todas as cautelas, a solução será apresentar os chamados embargos de terceiro, previstos no artigo 674 do Código de Processo Civil.
Segundo o dispositivo, “aquele que sofrer constrição ou ameaça de constrição sobre bens que possua ou sobre os quais tenha direito incompatível com o ato constritivo poderá requerer seu desfazimento ou sua inibição por meio de embargos de terceiro, mesmo se não for parte no processo”.
Os embargos terão como objetivo principal comprovar a posse real e a propriedade do bem imóvel constrito, assim como a inexistência de restrições no momento da compra – o que é fundamental para demonstrar, diante da Justiça do Trabalho, a boa-fé do terceiro adquirente cujo patrimônio foi indevidamente bloqueado.
É importante ressaltar que se admite a apresentação de embargos de terceiro baseado na alegação de posse originada do compromisso de compra e venda de imóvel, ainda que o registro não tenha sido feito – entendimento pacificado pela Súmula 84 do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Isso porque o registro imobiliário tem como objetivo principal a publicidade do ato diante de terceiros, mas não pode se sobrepor à proteção ao direito de propriedade constitucionalmente assegurado.
A ausência de formalização do registro no cartório de registro de imóveis, por si só, portanto, não tem o poder de invalidar o negócio jurídico. O rigor da Lei de Registros Públicos foi mitigado para dar proteção ao adquirente de boa-fé.
De acordo com a jurisprudência do STJ, “o reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente” (Súmula 375/STJ). Segundo a tese firmada pela Corte Especial do STJ em julgamento de recurso especial repetitivo (Tema Repetitivo 243), “inexistindo registro da penhora na matrícula do imóvel, é do credor o ônus da prova de que o terceiro adquirente tinha conhecimento de demanda capaz de levar o alienante à insolvência”.
Nessa mesma linha de entendimento, a jurisprudência do TST é firme ao estabelecer que, quando não comprovada a má-fé, o terceiro que adquiriu o imóvel está autorizado a pleitear em juízo a proteção da posse sobre o bem, ainda que não haja registro de transferência de propriedade no cartório de registro de imóveis competente.
O TST já reconheceu a transcendência política do tema: “Ementa – RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017. EXECUÇÃO. EMBARGOS DE TERCEIROS. PENHORA SOBRE BEM IMÓVEL ADQUIRIDO ANTES DO AJUIZAMENTO DA RECLAMAÇÃO TRABALHISTA. IMPOSSIBILIDADE. ADQUIRENTE DE BOA-FÉ. ESCRITURA PÚBLICA DE COMPRA E VENDA. AUSÊNCIA DE AVERBAÇÃO DO TÍTULO TRANSLATIVO NO CARTÓRIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS. IRRELEVÂNCIA. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA RECONHECIDA”.[1]
Denunciação da lide pode ser aplicada na Justiça do Trabalho
Outro meio efetivo de proteção ao direito do adquirente de boa-fé é a chamada denunciação da lide.
Com a ampliação da competência da Justiça do Trabalho pela Emenda Constitucional 45 e o cancelamento da Orientação Jurisprudencial 227 da Subseção I Especializada em Dissídios Individuais (SDI-I) do TST, passou-se a admitir a denunciação da lide na Justiça do Trabalho.
De acordo com o art. 125, inciso II, do CPC “é admissível a denunciação da lide, promovida por qualquer das partes (…) àquele que estiver obrigado, por lei ou pelo contrato, a indenizar, em ação regressiva, o prejuízo de quem for vencido no processo”.
A denunciação da lide pode ser apresentada na mesma peça dos embargos de terceiro. Como estabelece o art. 129 do CPC, a medida permite que, em caso de insucesso dos embargos de terceiro, se obtenha, ao final, a condenação do denunciado (vendedor do imóvel), para que esse indenize o denunciante (adquirente de boa-fé).
Nesse sentido segue a jurisprudência dos tribunais trabalhistas ao apreciar o tema: “DENUNCIAÇÃO DA LIDE. PROCESSO DO TRABALHO. Com o alargamento da competência da Justiça do Trabalho promovido pela Emenda Constitucional nº 45, o C. TST firmou novo entendimento, passando a admitir a denunciação da lide no Processo do Trabalho, inclusive com o cancelamento da OJ nº. 277 do C. TST”.[2]
Essas são algumas das ferramentas disponíveis para assegurar a proteção ao direito de propriedade da empresa adquirente de boa-fé diante de eventual constrição patrimonial realizada pela Justiça do Trabalho.
[1] TST/RR: 1000367-56.2018.5.02.0402, relator: Marcelo Lamego Pertence. Data de julgamento: 18 de agosto de 2021, 1ª Turma. Data de publicação: 23 de agosto de 2021.
[2] TRT-1/RO: 0101384-66.2017.5.01.0063 RJ, relator: Maria das Graças Cabral Viegas Paranhos. Data de julgamento: 20 de março de 2019, Segunda Turma. Data de publicação: 6 de abril de 2019.