A Medida Provisória nº 927/20 (MP), publicada em 22 de março com uma série de medidas para preservar o emprego e a renda durante a pandemia de covid-19, permite que o empregador conceda férias antecipadas (individuais ou coletivas) aos trabalhadores para conseguir manter a relação de emprego durante o atual cenário de calamidade pública e reduzir os impactos da crise para a economia do país.
As férias anuais são direito fundamental do empregado, mas a escolha da época em que podem ser desfrutadas compete ao empregador, de acordo com suas necessidades (artigos 2º e 134 da CLT). O atual cenário de isolamento domiciliar e queda na atividade econômica representa um período em que a concessão de férias atende aos interesses do empregador, tendo em vista a desnecessidade, na maioria dos casos, de se manter todos os empregados trabalhando normalmente.
Além disso, é possível prever que, em determinados setores, quando houver o retorno das atividades, o empregador precisará, mais do que nunca, de sua força de trabalho completa para tentar minimizar os impactos negativos da crise, aumentando sua produção e o volume de vendas, entre outras ações. Ao conceder férias a seus empregados neste momento, o empregador poderá contar com todo o quadro de pessoal por um longo período, até mesmo de 12 meses, para fazer essa retomada e tentar reduzir os prejuízos.
É possível, porém, que a empresa não tenha programado a concessão das férias anuais nesta época, o que pode ter implicações negativas para o fluxo de caixa. A MP apresenta então duas alternativas para diminuir os impactos financeiros decorrentes da antecipação de férias: (i) dilação de prazo para pagamento das férias até o 5º dia útil do mês subsequente ao início do período de descanso; e (ii) possibilidade de pagamento do adicional de 1/3 sobre as férias até o dia 20/12/2020.
A reflexão sobre as vantagens de conceder férias no atual período é válida, especialmente considerando que a empresa talvez precise manter sua força de trabalho plenamente ativa quando retomar suas atividades.
Vale lembrar que a não concessão de férias dentro do prazo de 12 meses da data em que o empregado adquiriu o direito implica no pagamento da remuneração em dobro pelo empregador. Portanto, se for preciso manter todos os empregados por um longo período após a retomada das atividades, recomenda-se que a empresa identifique os vencimentos dos períodos concessivos de férias e que avalie a vantagem de concedê-las agora.
Também é importante ter em mente que os empregados talvez precisem mudar seus planos de férias, inclusive com reagendamento ou cancelamento de viagens, em razão da necessidade de antecipação. Quando férias futuras já estiverem notificadas pelo empregador, recomenda-se analisar caso a caso seu cancelamento e antecipação para evitar possíveis danos materiais para os empregados.
Os precedentes jurisprudenciais da Justiça do Trabalho, em especial o Precedente Normativo nº 116 do TST, são no sentido de que, uma vez comunicado ao empregado o período do gozo de férias individuais ou coletivas, o empregador somente poderá cancelar ou modificar o início previsto se ocorrer necessidade imperiosa e, ainda assim, mediante ressarcimento dos prejuízos financeiros comprovados pelo empregado.
Assim, embora o empregador recorra a motivo de força maior para fundamentar a alteração do início de férias já comunicadas ao empregado, os precedentes jurisprudenciais apontam para o dever de reembolso de prejuízos incorridos pelo empregado em razão dessa decisão. De toda forma, por se tratar de patente estado de calamidade pública, é possível que esse posicionamento jurisprudencial seja flexibilizado, a depender da análise do caso concreto.
É preciso levar em conta também que a antecipação pode acarretar anos consecutivos de trabalho sem gozo de férias pelo empregado. Além de possíveis riscos relacionados à saúde do empregado, isso pode gerar discussões futuras sobre a validade da antecipação concedida mediante acordo individual, em razão de eventual desvirtuamento da finalidade do instituto “férias anuais”, que é garantido pela Constituição Federal em seu artigo 7º, XVII.
Do ponto de vista legal e da condição de força maior instaurada, não se vislumbram prejuízos às partes, pois o direito fundamental às férias anuais resta preservado, assim como o direito potestativo do empregador no particular, inclusive com redução nos procedimentos burocráticos e ganho de prazo para pagamento da remuneração (clique aqui e veja e-book sobre o tema).