Uma análise comparativa entre a Lei 4.860/65 e a Lei dos Portos (Lei 8.630/93) revela que a primeira tratava do regime de trabalho nos portos organizados, enquanto a segunda passou a dispor sobre o novo regime jurídico de exploração de portos organizados e instalações portuárias.

A Lei dos Portos instituiu a “instalação portuária de uso privativo” – definida por lei como a explorada por pessoa jurídica de direito público ou privado, dentro ou fora da área do porto, para movimentação ou armazenagem de mercadorias destinadas ou provenientes de transporte aquaviário. Ela foi revogada pela atual Lei 12.815/13, que modernizou a exploração dos portos e terminais portuários, incentivando a participação da iniciativa privada.

A Lei 12.815/13 autoriza o exercício de operações portuárias por pessoas jurídicas de direito privado (os “operadores portuários”) nos terminais privativos.

A norma estabelece que a contratação de trabalhadores portuários avulsos (serviços de capatazia, bloco, estiva, conferência e conserto de carga e vigilância de embarcações com vínculo de emprego por prazo indeterminado) deve ser feita exclusivamente entre trabalhadores portuários avulsos registrados no Órgão Gestor de Mão de Obra (OGMO) – entidade destinada a administrar o fornecimento de mão de obra de trabalhador portuário avulso.

É importante destacar que essa regra não tem exceções. Não há a possibilidade de contratação fora do sistema OGMO, nem mesmo naquelas situações em que se verifica a inexistência de interessados entre os trabalhadores portuários avulsos cadastrados (ou seja, na hipótese de insuficiência dessa mão de obra).

Nesse sentido, a Seção Especializada em Dissídios Individuais I do Tribunal Superior do Trabalho firmou o entendimento de que, com a publicação da nova Lei dos Portos, os operadores portuários não podem mais contratar fora do sistema do OGMO, ainda que haja vagas, pois o critério deixou de ser o da escolha prioritária/preferencial de trabalhadores registrados no OGMO e passou a ser o de exclusividade de sua contratação.[1]

A não observância desse critério de contratação tem gerado autuações milionárias por parte do Ministério do Trabalho e Emprego.

É importante ressaltar que essas multas, após inscritas como débitos no Cadastro da Dívida Ativa da União, impedem a obtenção da Certidão Negativa de Débitos (CND) ou da Certidão Positiva com Efeito de Negativa. Essa irregularidade na situação fiscal impede, inclusive, que algumas empresas que atuam no setor possam manter a condição de concessionária de serviço público.

Nesse cenário, é possível, por meio da chamada “ação anulatória de auto de infração”, se discutir na Justiça do Trabalho a validade da penalidade imposta, assim como requerer a suspensão da exigibilidade do crédito inscrito. A medida tem como objetivo evitar que o crédito decorrente do auto de infração se imponha como obstáculo para a expedição de Certidão Positiva com Efeitos de Negativa que comprove a regularidade fiscal da empresa e ainda sirva de fundamento para inscrever a empresa em cadastro de inadimplentes, devido ao suposto débito com a Fazenda Pública.

Reserva de mercado

A exclusividade na contratação de trabalhadores portuários avulsos é debatida tanto na mais alta corte do Poder Judiciário quanto no Poder Legislativo. Mais de uma década após a promulgação da Lei 12.815/13, chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF) a Ação Direta de Inconstitucionalidade 7.591 (ADI 7.591), protocolada em 23 de janeiro deste ano. A ação questiona os parâmetros para a contratação de trabalhadores portuários avulsos previstos na Lei dos Portos.

As entidades do setor alegam que o critério de exclusividade cria, na prática, uma reserva de mercado para os trabalhadores avulsos e violaria os princípios constitucionais da liberdade de profissão, da igualdade entre o trabalhador com vínculo empregatício permanente e o avulso, da livre iniciativa e da livre concorrência.

O que se pretende é que esse critério de contratação seja interpretado para atribuir prioridade, e não exclusividade, aos avulsos, o que permitiria a contratação de portuários não registrados no OGMO. Isso garantiria a continuidade dos serviços caso não haja trabalhadores registrados no órgão gestor interessados em realizar a tarefa ou em condições de assumir o vínculo empregatício. (fonte: https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=525448&tip=UN)

A solução para esse impasse pode estar na Câmara dos Deputados, que, paralelamente, instalou uma comissão de juristas, em março deste ano, para elaborar uma proposta de revisão da legislação que regula a exploração direta e indireta pela União de portos e instalações portuárias. O grupo é presidido pelo ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST) Douglas Alencar Rodrigues. Como relator, foi designado o desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, Celso Ricardo Peel Furtado de Oliveira. (Fonte: Agência Câmara de Notícias - https://www.camara.leg.br/noticias/1042731-camara-dos-deputados-instala-comissao-de-juristas-para-revisar-legislacao-de-portos/)

Pouco depois, em maio, o ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST) Alexandre Ramos, que também integra a comissão instalada pela Câmara dos Deputados, conduziu um encontro no TST para tratar das relações de trabalho no setor portuário.

Segundo o ministro, o encontro tinha como objetivo ouvir as demandas dos trabalhadores e sindicatos. Um dos pontos polêmicos em discussão era a exclusividade na contratação dos portuários. (fonte: https://tst.jus.br/-/nova-reuni%C3%A3o-no-tst-aborda-rela%C3%A7%C3%B5es-de-trabalho-no-setor-portu%C3%A1rio)

Atualmente, os portos brasileiros são responsáveis por 95% do comércio internacional. Somente no primeiro semestre deste ano, o modal portuário registrou crescimento de 4,28%, movimentando 644,76 milhões de toneladas de cargas, de acordo com a apresentação dos resultados do desempenho portuário relativos ao primeiro semestre, elaborada pela Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq). (fonte: https://www.gov.br/portos-e-aeroportos/pt-br/assuntos/noticias/2024/08/movimentacao-de-cargas-nos-portos-brasileiros-cresce-4-28-o-melhor-resultado-desde-2010).

Vê-se, portanto, que o debate sobre a revisão da atual legislação é de extrema relevância diante da importância dos complexos portuários brasileiros para o crescimento da economia do país.

 


[1] Ag-ED-RR-1000587-19.2018.5.02.0446, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, relator ministro Hugo Carlos Scheuermann, DEJT 23 de abril de 2024