A pandemia da covid-19 intensificou a adoção do teletrabalho, por meio do qual o empregado desempenha suas funções sem comparecer fisicamente à empresa. Sob a ótica das contribuições previdenciárias, o local em que o empregado desempenha suas funções é pouco relevante, desde que esse local esteja no Brasil. No entanto, se o empregado passa a residir em outro país e lá desenvolve suas atividades em benefício do empregador, a situação requer cuidados adicionais.
Como princípio geral, as contribuições previdenciárias talvez devessem ser exigidas apenas no país em que o empregado presta seus serviços. Afinal, é nesse país que ele provavelmente buscará acessar os benefícios da seguridade social, custeados pelas contribuições. Entretanto, a Lei 8.212/91, que estabelece e regula essas contribuições, não traz qualquer exceção quanto ao país em que os serviços são prestados. Ressalvadas análises mais aprofundadas, portanto, a leitura da lei indica que as contribuições previdenciárias são devidas se o profissional tiver vínculo de emprego com empresa brasileira, independentemente do local em que desempenha seus serviços.
O Brasil, porém, tem uma rede relativamente ampla de acordos internacionais de previdência social. Esses acordos regulam desde o acesso aos benefícios de seguridade, incluindo a totalização dos tempos de contribuição para aqueles que efetuaram contribuições em mais de um país, até a própria incidência de contribuições previdenciárias sobre os salários recebidos por empregados deslocados. Embora possa haver controvérsia quanto à natureza desses acordos e o status com que são recepcionados pelo ordenamento, o art. 85-A da Lei 8.212/91 determina sua intepretação como lei especial. Em outras palavras, ainda que a legislação brasileira tenha uma previsão normativa geral sobre o assunto, caso ela seja contrária ao disposto no acordo, este deve prevalecer por se tratar de norma especial.
Como indica a página da Secretaria de Previdência do Ministério do Trabalho e Previdência, o Brasil tem 18 acordos internacionais em vigor que regulam esses aspectos e mais 6 acordos internacionais – sobre o mesmo tema – em processo de ratificação pelo Congresso Nacional. Entre os 18 acordos em vigor, alguns foram estabelecidos com países que têm forte vínculo migratório com o Brasil, incluindo os Estados Unidos, Portugal e Espanha. Ainda entre esses acordos, encontram-se as convenções Ibero-americana e do Mercosul, que abrangem uma multiplicidade de países.
Ao contrário do que ocorre com os tratados para evitar a dupla tributação da renda, que têm as convenções modelo da ONU e da OCDE como padrão, os acordos de previdência social não seguem um padrão pré-estabelecido. A análise caso a caso, portanto, torna-se essencial, cabendo verificar, em primeiro lugar, o país para o qual o empregado está sendo deslocado e, ainda, quanto tempo vai durar esse deslocamento. Como regra geral, é possível depreender dos acordos firmados pelo Brasil que o empregado se sujeita à legislação previdenciária (o que, em nossa visão, pode incluir a obrigação de pagar contribuições previdenciárias) do país em que exerce seu trabalho.
Essa regra geral consta, por exemplo, do artigo 9º da Convenção Multilateral Ibero-Americana de Segurança Social, promulgada no Brasil pelo Decreto 8.358/14:
Artigo 9.º Regra geral
Sem prejuízo do disposto no artigo 10.º, as pessoas às quais se aplica a presente Convenção estão sujeitas exclusivamente à legislação de segurança social do Estado Parte em cujo território exerçam uma atividade, dependente ou independente, que permita à sua inclusão no âmbito de aplicação da referida legislação.
Por esse dispositivo, é possível entender que o empregado e seu empregador devem contribuir à previdência social do país em que o empregado desenvolve suas atividades.
No plano interno, contudo, pode haver dúvidas quanto à incidência das contribuições previdenciárias patronais sobre a remuneração paga a esse empregado. Isso porque o art. 22, incisos I e II, da Lei 8.212/91 não parece distinguir entre pessoas que exercem suas atividades no Brasil e pessoas que exercem suas atividades no exterior. Mas, para a incidência das contribuições, esse dispositivo exige que a pessoa seja segurada empregada ou segurada individual. Como a linguagem do acordo é, geralmente, ampla e trata de sujeição à legislação de seguridade social, entendemos que há argumentos para sustentar que a pessoa enquadrada na regra geral acima não pode ser considerada segurada do país em que não exerce suas atividades. Seguindo essa linha de raciocínio, estaria afastada a incidência das contribuições previdenciárias patronais sobre a remuneração paga a essas pessoas.
Apesar da relevância da questão, não há orientações claras das autoridades fiscais ou da jurisprudência em relação à incidência das contribuições previdenciárias patronais no caso de empregados de empresa brasileira que exercem suas atividades fora do Brasil. Há, no entanto, soluções de consulta emitidas pela Receita Federal do Brasil (RFB) sobre o cenário inverso, em que o empregado de empresa estrangeira vem trabalhar no Brasil. Nessas consultas, há indicativos do tratamento previdenciário a ser aplicado no caso em que o empregado da empresa brasileira passa a trabalhar no exterior.
Emitida pela Divisão de Tributação das Superintendências Regionais da Receita Federal do Brasil (Disit), a Solução de Consulta SRRF06 76/13 (SC Disit SRRF06 76/13), analisou o caso em que trabalhadores se deslocavam temporariamente do Japão para o Brasil. Semelhante ao artigo 9º da Convenção Multilateral Ibero-Americana de Segurança Social acima transcrito, o artigo 6º do acordo firmado entre Brasil e Japão, promulgado pelo Decreto 7.702/12 (Acordo Brasil-Japão), prevê, como regra geral, que o empregado estará sujeito exclusivamente à legislação do país em que exerce suas atividades. Em seu artigo 7º, porém, o Acordo Brasil-Japão traz previsões especiais, aplicáveis aos casos de deslocamento temporário, nos quais o empregado permanece sujeito à legislação de seu país de origem.
Por se tratar de deslocamento temporário, afastou-se a incidência das contribuições previdenciárias patronais e do empregado brasileiras sobre a remuneração a ele paga, desde que os requisitos previstos no Acordo Brasil-Japão fossem cumpridos.
Com base na SC Disit SRRF06 76/13, vale destacar duas conclusões. A primeira é que a sujeição do trabalhador à legislação previdenciária de um dos países implica a necessidade de recolhimento de contribuições previdenciárias nesse país. A segunda conclusão, menos óbvia, é que tanto as contribuições previdenciárias patronais quanto as contribuições previdenciárias do empregado estão abrangidas pelo acordo. Em outras palavras, se o empregado está sujeito à legislação previdenciária de apenas um dos países, seu empregador também deve recolher contribuições previdenciárias somente a esse país. Outro ponto de destaque é que a SC Disit SRRF06 76/13 também afasta a incidência das contribuições destinadas a terceiros, baseado no entendimento de que essas contribuições “devem seguir o mesmo delineamento jurídico conferido às contribuições previdenciárias, pois, em relação a essa matéria, não há regras específicas”.
Posteriormente, a Coordenação-Geral de Tributação (Cosit) emitiu a Solução de Consulta 360/17 (SC Cosit 360/17), na qual analisou a aplicação do acordo de previdência social firmado entre Brasil e Coreia do Sul, promulgado pelo Decreto 9.751/19 (Acordo Brasil-Coreia).
O Acordo Brasil-Coreia também contempla a regra geral de que o empregado deve estar sujeito à legislação previdenciária do país em que trabalha e às exceções quanto ao deslocamento temporário de empregados entre os dois países. Desse modo, a SC Cosit 360/17 também assinala que, desde que cumpridos os requisitos previstos no acordo, empregados temporariamente deslocados da Coreia do Sul para o Brasil não estão sujeitos ao recolhimento de contribuições previdenciárias brasileiras.
Assim como a SC Disit SRRF06 76/13, a SC Cosit 360/17 reconhece que as contribuições para terceiros (especificamente, salário-educação e contribuição ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – Incra) não incidem no caso. Entretanto, a fundamentação é diferente: a SC Cosit 360/17 afirma que tais contribuições não podem ser cobradas porque os empregados deslocados para o Brasil, no caso analisado, não são segurados do Regime Geral de Previdência Social. Em sentido muito semelhante caminha a Solução de Consulta 454/17, também proferida pela Cosit (SC Cosit 454/17).
A SC Cosit 360/17 e a SC Cosit 454/17, além de analisarem o caso do empregado deslocado temporariamente ao Brasil, se debruçam sobre a possibilidade de se requerer a restituição dos valores indevidamente pagos a título de contribuições previdenciárias sobre a remuneração concedida a esses empregados. Em ambas as consultas, concluiu-se que a restituição pode ser autorizada. A Solução de Consulta 278/18 da Cosit (SC Cosit 278/18) confirma a possibilidade de compensação das contribuições patronais indevidamente recolhidas serem feitas contra débitos dessas contribuições em períodos posteriores.
Nenhuma dessas manifestações das autoridades fiscais aborda o caso em que o empregado de empresa brasileira é deslocado para o exterior. Elas tratam somente dos casos em que os empregados de empresa estrangeira vêm temporariamente prestar serviços no Brasil.
Entendemos, contudo, ser possível estender seus fundamentos jurídicos para os casos em que o empregado de empresa brasileira passa a desenvolver suas atividades no exterior. Como visto, o art. 22 apenas permite a incidência das contribuições patronais no caso de trabalhadores que sejam segurados da previdência social brasileira. As soluções de consulta, porém, deixam claro que a sujeição do trabalhador exclusiva à legislação previdenciária de um país exclui sua vinculação à previdência social do outro país.
Quando o empregado se desloca para país que tem acordo de previdência com o Brasil, entendemos que pode haver argumentos para afastar a cobrança das contribuições previdenciárias incidentes sobre a remuneração paga a esse empregado. Essa possibilidade, no entanto, depende dos termos do acordo com o país de destino. Deve-se verificar, especialmente, se ele contém a regra geral de sujeição à legislação do país em que os serviços são desempenhados e se há exceções aplicáveis no caso concreto.