Qual o momento da tributação, para fins de Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), do crédito tributário reconhecido judicialmente e objeto de compensação? A Solução de Consulta 183/21, publicada no fim do ano passado, foi uma resposta tardia a esse questionamento recorrente dos contribuintes, mas não sanou por completo a divergência.
O entendimento anterior da Receita Federal do Brasil (RFB), manifestado por meio do Ato Declaratório Interpretativo SRF 25/03, era que, quando a decisão judicial já define o valor a ser pago, basta o trânsito em julgado da decisão que reconhece o valor a ser restituído para atrair a incidência do IRPJ e da CSLL. A premissa é que, em tais situações, já a partir do trânsito em julgado, o contribuinte adquire disponibilidade jurídica sobre os valores com a configuração de um acréscimo patrimonial, fato gerador do IRPJ e da CSLL, conforme previsão do art. 43 do Código Tributário Nacional (CTN). Mas nos casos em que as decisões apenas reconhecem um direito à repetição do indébito não havia uma manifestação clara da Receita Federal.
Foi justamente essa a situação tratada na Solução de Consulta 183/21. A Receita Federal definiu que a data de apresentação da primeira declaração de compensação (declaração mãe) será o marco temporal para atrair a incidência do IRPJ e da CSLL dos créditos reconhecidos. Conforme exposto na SC 183/21, é nesse momento que se tem um “direito certo, que decorre do trânsito em julgado da decisão – e quantificável, em razão da identificação do montante integral a que tem direito”.
A resposta já representa um pequeno avanço, pois a Receita Federal afastou expressamente a possibilidade de incidência do IRPJ e CSLL quando:
- do trânsito em julgado de decisão ilíquida, que declarou apenas o direito de crédito passível de compensação;
- do reconhecimento contábil dos créditos; e
- do pedido de habilitação do crédito em âmbito administrativo (formalidade necessária para fins de compensação de crédito decorrente de ação judicial).
Nesse aspecto, a resposta da Receita Federal foi tardia, mas bem-vinda, uma vez que esses três momentos, de fato, não importam em aquisição de disponibilidade jurídica e, portanto, não justificam incidência de IRPJ e CSLL.
Entretanto, o fato de a Receita Federal definir como marco temporal a data do envio da primeira declaração de compensação para a tributação de todo o crédito decorrente da ação judicial, independentemente do efetivo aproveitamento, é questionável.
Se o entendimento da Solução de Consulta prevalecer – e for efetivamente praticado –, o impacto financeiro no caixa dos contribuintes será drástico e contemporâneo à entrega da primeira DCOMP, visto que a incidência do IRPJ e da CSLL recairá sobre o valor total do crédito decorrente da ação judicial transitada em julgado, independentemente de confirmação dos valores pela Receita Federal (homologação da declaração) ou mesmo do aproveitamento das demais parcelas do crédito, quando da transmissão das demais compensações.
A nosso ver, o posicionamento da Receita Federal em relação à tributação quando da primeira declaração de compensação, na qual se declara o valor integral a ser compensado, não representa o efetivo momento do acréscimo patrimonial e disponibilidade econômica e jurídica. Não há signo de riqueza nem capacidade contributiva, e uma tentativa do Fisco de tributar os valores nesse momento deveria ser rechaçada pelo Judiciário.
Longe de ser uma situação meramente teórica, esse posicionamento da Receita Federal representa um risco potencial para diversos contribuintes que, após longos anos de batalha com o Fisco, finalmente obtiveram na Justiça o reconhecimento de um valor recolhido a maior, e que poderia ser compensado. Nesse grupo, estão os contribuintes que garantiram seu direito de recuperar o valor do ICMS indevidamente incluído na base de cálculo do PIS e da Cofins e aqueles que tiveram o reconhecimento de não tributação pelo IRPJ e pela CSLL dos valores de Selic sobre o indébito. Essas discussões movimentaram grandes valores e, com esse entendimento exposto na Solução de Consulta, a Receita Federal parece pretender mitigar sua derrota, atingindo justamente parte do indébito reconhecido pelo Judiciário.
Na mesma Solução de Consulta, a Receita Federal dispõe que os juros de mora devidos sobre o indébito tributário devem compor as bases de cálculo do IRPJ, da CSLL, da Cofins e do PIS/Pasep no período em que for reconhecido o indébito principal.
Esse posicionamento da Receita Federal está em confronto direto com o recente posicionamento do Supremo Tribunal Federal (STF) no Recurso Extraordinário 1.063.187, submetido ao regime da repercussão geral, no qual foi fixada a tese de que “é inconstitucional a incidência do IRPJ e da CSLL sobre os valores atinentes à taxa Selic recebidos em razão de repetição de indébito tributário”.
O STF assim se manifestou, reconhecendo a natureza jurídica dos juros de mora, que visam recompor efetivas perdas, decréscimos, não caracterizando o aumento de patrimônio. Por consequência, estão fora do campo de incidência do IR e da CSLL. O julgamento não está encerrado. A análise dos embargos de declaração opostos pela União no Recurso Extraordinário 1.063.187 requerendo a modulação dos efeitos do julgado continuam pendentes, deixando a questão parcialmente em aberto.
De toda forma, toda essa movimentação da Receita Federal parece querer demonstrar uma irresignação absoluta com os limites da relação jurídica na forma como ela foi delimitada pelo Judiciário e uma tentativa, esperamos que frustrada, de diminuir os ganhos do contribuinte.
É importante acompanhar os desdobramentos das ações judiciais em curso que discutam o tema e se antecipar a qualquer medida restritiva imposta pela Receita Federal, procurando, para isso, a tutela do Judiciário.