Com o intuito de combater planejamentos fiscais de multinacionais que se valem da heterogeneidade do sistema internacional para reduzir sua carga tributária global, a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) e o G-20 (Grupo dos 20, que inclui as 19 maiores economias do mundo e a União Europeia) iniciaram em 2013 o Projeto BEPS (Base Erosion and Profit Shifting). Como membro do G-20, o Brasil participou das discussões e implementou algumas das medidas previstas, mas ainda precisa avançar em áreas específicas que são cruciais para garantir a segurança jurídica dos contribuintes que operam no Brasil e o alinhamento com as práticas internacionais.

O atual estágio de implementação das medidas propostas pelo Projeto BEPS foi o tema do 71º Congresso da International Fiscal Association (IFA), realizado no Rio de Janeiro no fim de agosto. As ações a serem desenvolvidas como parte do Projeto BEPS se organizam em três pilares: (i) introdução da coerência nas normas de cada país que afetam a definição de base tributável em transações internacionais; (ii) reforço dos requisitos de substância nas estruturas implementadas conforme os padrões internacionais; e (iii) melhoria da transparência, segurança e previsibilidade do sistema internacional, com a devida colaboração entre autoridades fiscais. Os países membros da OCDE respaldaram o projeto por serem os mais afetados pelas práticas de erosão de bases tributárias. No caso do Brasil, no entanto, a principal motivação para cooperar com o Projeto BEPS é a transparência e a troca de informações internacionais, dado o distinto perfil de investimento, mais voltado para a atração de capital estrangeiro, não à exportação. Além disso, desde meados da década de 1990, o governo federal implementa regras antielisivas direcionadas (SAARs – Specific Anti-Avoidance Rules), que são consideradas pela Receita Federal do Brasil (RFB) suficientes para mitigar os efeitos dos planejamentos fiscais internacionais que motivaram o Projeto BEPS. Essas regras foram implementadas no país por meio de alterações legislativas realizadas a partir de 1998, com base nas recomendações emitidas pela OCDE no Relatório Harmful Tax Competition. São exemplos de SAARs adotadas pelo Brasil: a tributação em bases universais, as regras de preços de transferência, a lista de jurisdições com tributação favorecida e de regimes fiscais privilegiados, a alíquota majorada de imposto sobre a renda em pagamentos a jurisdições com tributação favorecida, a limitação da dedutibilidade de tais pagamentos, as regras de subcapitalização, entre outras. No contexto das ações voltadas para promover a transparência e a troca de informações internacionais, a RFB editou normas infralegais para implementar as seguintes medidas: (i) Declaração País-a-País (Instrução Normativa RFB nº 1.681/16); (ii) troca de informações relativas a rulings (Instrução Normativa RFB nº 1.689/17); e (iii) obrigatoriedade de declaração do beneficiário efetivo das pessoas jurídicas brasileiras (Instrução Normativa RFB nº 1.634/16). Ainda com foco na transparência internacional, foram assinados dois acordos referentes à troca automática de informações financeiras: o Foreign Account Tax Compliance Act (FATCA), com os Estados Unidos, e o Common Reporting Standard (CRS), no âmbito do Fórum Global de Transparência e Troca de Informações Tributárias. Com as medidas acima, a RFB receberá um volume substancial de informações sobre a estrutura internacional dos contribuintes brasileiros, o que acarretará alteração nos processos de fiscalização. A partir disso, ficará ainda mais evidente a necessidade de introduzir medidas que busquem uniformizar as regras brasileiras com os padrões internacionais, para evitar que informações e conceitos internacionais sejam utilizados em fiscalizações com intuito meramente arrecadatório. No que se refere aos pilares da substância e da coerência, o Brasil pouco evoluiu, o que pode dificultar o pleito de adesão do país à OCDE para atração de investimentos estrangeiros. Diferentemente da RFB, o Congresso Nacional não acompanhou os desdobramentos do Projeto BEPS e a necessidade de promover alterações legislativas em matéria tributária visando à coerência e à segurança jurídica. O refinamento das regras que tratam da tributação em bases universais, a definição legal de critérios de substância e a eventual introdução de norma geral antielisiva (conhecida internacionalmente como GAAR – General Anti-Avoidance Rules) são exemplos de alterações legislativas necessárias à segurança jurídica em matéria fiscal internacional. O sucesso do Projeto BEPS no Brasil e a aceitação do país pelo seleto grupo de membros da OCDE não dependem apenas dos esforços da RFB quanto à transparência e à efetiva cooperação entre autoridades fiscais. Para os investidores e contribuintes brasileiros, o pleito à OCDE evidencia a necessidade de alinhamento do Brasil aos padrões internacionais em matéria tributária, o que deveria ocorrer por meio de alterações legislativas precedidas de amplo debate com o setor privado, visando à segurança jurídica e à maior competitividade das empresas brasileiras no contexto global.