As questões de comércio exterior são submetidas aos rigores da legalidade e da anterioridade tributária de forma amenizada, devido ao dinamismo das atividades envolvidas e da relevância e necessidade do controle aduaneiro. Nem de longe, porém, isso significa que a fixação das alíquotas do Imposto de Importação foge, por completo, à legalidade tributária.

Diz a Constituição Federal em seus artigos 153 e 237:

“Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:

I - importação de produtos estrangeiros;

II - exportação, para o exterior, de produtos nacionais ou nacionalizados;

III - renda e proventos de qualquer natureza;

IV - produtos industrializados;

V - operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários;

VI - propriedade territorial rural;

VII - grandes fortunas, nos termos de lei complementar.

VIII - produção, extração, comercialização ou importação de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, nos termos de lei complementar.

  • 1º É facultado ao Poder Executivo, atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei, alterar as alíquotas dos impostos enumerados nos incisos I, II, IV e V.

Art. 237. A fiscalização e o controle sobre o comércio exterior, essenciais à defesa dos interesses fazendários nacionais, serão exercidos pelo Ministério da Fazenda.”

Como se nota, o artigo 153 confere à União a competência para instituir Imposto de Importação e, ao mesmo tempo, permite ao Poder Executivo alterar suas alíquotas.

A própria Constituição, porém, acrescenta uma ressalva sobre a alteração das alíquotas, ao determinar que sejam “atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei”. Em paralelo, o artigo 237 da Constituição atribui ao Ministério da Fazenda  a competência para fiscalizar e controlar o comércio exterior.

Em resumo, portanto, a Constituição Federal permite ao Poder Executivo alterar as alíquotas do Imposto de Importação, desde que “atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei”. Além disso, atribui ao Ministério da Fazenda  a fiscalização e o controle sobre o comércio exterior.

Vejamos como a doutrina especializada trata os aspectos comentados:

“Temos aqui (artigo 153, parágrafo 1º da CF) uma atenuação à exigência de lei para definição da alíquota. Digo atenuação porque não é totalmente dispensada, na medida em que há a necessidade de uma lei ordinária que defina uma alíquota básica ou que estabeleça uma tarifa e defina, necessariamente, as condições e os limites dentro dos quais o Executivo poderá alterá-la.”[1]

Ou ainda:

“Não há, neste dispositivo constitucional (artigo 153, parágrafo 1º da CF), qualquer exceção ao princípio da legalidade. Apenas o Texto Magno permite, no caso, que a lei delegue ao Poder Executivo a faculdade e fazer variar, observadas determinadas condições e dentro dos limites que ela estabelecer, as alíquotas (não as bases de cálculo) dos mencionados impostos.


De fato, se o Poder Executivo – por especial ressalva do Texto Magno – só pode alterar as alíquotas dos supracitados impostos “atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei”, como haveremos de sustentar que eles aceitam ser criados ou aumentados por norma jurídica diversa da Lei?”[2]

O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) já teve oportunidade de se pronunciar sobre a constitucionalidade da proibição da importação de bens usados. A Corte Suprema chancelou essa vedação nas hipóteses de importação de pneus usados e de automóveis usados, por exemplo. Prevaleceu o entendimento de que, caso se permitisse a importação de pneus e de automóveis usados, o Brasil se tornaria um parque de sucatas e lixos ambientais.

Não se discorda do fundamento condutor dos precedentes sobre a proibição de importação de bens usados. Mas eles não sacramentam a proibição irrestrita de importar qualquer bem usado.

Diferentemente de bens com vida útil curta, há bens usados com vida útil longa, que são de grande interesse para o país, como se viu na situação que gerou a Solução de Consulta Cosit 122/20. Provocada a se manifestar sobre a possibilidade de importar um sistema cirúrgico robótico, a Receita Federal do Brasil, na solução mencionada, reconheceu essa possibilidade, na vigência das resoluções Camex 90/17 e 309/19:

“Assunto: Imposto sobre a Importação - II
IMPORTAÇÃO COM EX-TARIFÁRIO. CABIMENTO PARA BENS NOVOS E USADOS.
O Ex-tarifário concedido nos termos da Portaria ME nº 309, de 2019, que reduz a alíquota do Imposto de Importação, é aplicável tanto à importação de bens novos quanto de usados, incluídos os ditos remanufaturados ou "refurbished" , incorporados ao ativo imobilizado.

Dispositivos Legais: Lei nº 3.244, de 1957, art. 4º, caput e § 1º, "a", com redação dada pelo Decreto-lei nº 63, de 1966; Resolução Camex nº 90, de 2017, art. 3º; e Resolução Camex nº 309, de 2019, art. 1º."

Fez bem a Receita Federal ao elencar a Lei 3.244/57 logo como primeiro fundamento de validade da Solução de Consulta Cosit 122/20. É justamente essa lei– ainda em vigor – que dispõe sobre as alíquotas do Imposto de Importação:

“Art.2º - O Imposto sobre a Importação será cobrado na forma estabelecida por esta Lei e pela Tarifa Aduaneira do Brasil, por meio de alíquota ‘ad valorem’ ou específica, ou pela conjugação de ambas.

Parágrafo único. A alíquota específica poderá ser determinada em moeda nacional ou estrangeira, podendo ser alterada de acordo com o disposto no Art.3º, modificado pelo Art.5º do Decreto-Lei nº 63, de 21 de novembro de 1966, e pelo Art.1º do Decreto-Lei nº 2.162, de 19 de setembro de 1984.”

Até aqui, tudo estava em ordem e de acordo com os ditames constitucionais.

Ocorre que, recentemente, mais precisamente em 18 de agosto de 2023, foi publicada pelo Comitê Executivo de Gestão da Câmara de Comércio Exterior (Gecex) a Resolução Gecex 512/23. Ao dispor sobre as reduções temporárias da alíquota do Imposto de Importação para os bens de capital, entre outros, a resolução estabeleceu o seguinte:

“Art. 2º A redução da alíquota do Imposto de Importação de Bens de Capital, de Informática e de Telecomunicações, bem como de suas partes, peças e componentes, sem produção nacional equivalente, assinalados na Tarifa Externa Comum - TEC como BK ou BIT, poderá ser concedida na condição de Ex-tarifário, em conformidade com os requisitos e procedimentos estabelecidos nesta Resolução.

(...)

  • 2º A redução da alíquota do Imposto de importação prevista no caput não se aplica a:

(...)

II - bens usados;”

Vê-se que a Resolução Gecex 512/23 proibiu explicitamente a possibilidade de importar qualquer bem de capital usado. Parece-nos que o Gecex se excedeu.

No preâmbulo da Resolução Gecex 512/23 invoca-se o artigo 6, inciso IV, do Decreto 11.428/23 como fundamento normativo da competência atribuída ao Gecex:

“Art. 6º  Ao Comitê-Executivo de Gestão compete:

(...)

IV - estabelecer as alíquotas do imposto de importação, observados as condições e os limites estabelecidos em lei;”

No entanto, embora seja verdadeiro que o normativo institua que compete ao Gecex “estabelecer as alíquotas do imposto de importação”, foi feita a ressalva de se observar “as condições e os limites estabelecidos em lei”. E é justamente a ressalva contida na própria Resolução Gecex 512/23 que foi esquecida pelo comitê, levando-a ao vício de inconstitucionalidade.

Como dito, a Constituição Federal, no artigo 153, parágrafo 1º, permite ao Poder Executivo alterar as alíquotas do Imposto de Importação. Destaca, porém, a necessidade de se observar “as condições e os limites estabelecidos em lei”.

A lei mencionada pelo artigo 153, parágrafo 1º, da Constituição Federal é justamente a Lei 3.244/57, que fixa as alíquotas e demais balizas do Imposto de Importação. Não há dúvida sobre a possibilidade de o Gecex alterar as alíquotas do Imposto de Importação. Essa questão já está assentada pelo plenário do STF.[3]

O ponto central é que o Gecex, no uso da atribuição que lhe foi delegada pelo parágrafo 1º do artigo 153 da Constituição Federal, tem que necessariamente observar “as condições e os limites estabelecidos em lei”, sob pena de extrapolar a competência atribuída constitucionalmente a ele.

Nesse exato contexto, é preciso atentar para as condições estabelecidas pelo artigo 4º da Lei 3.244/57:

“Art.4º - Quando não houver produção nacional de matéria-prima e de qualquer produto de base, ou a produção nacional desses bens for insuficiente para atender ao consumo interno, poderá ser concedida isenção ou redução do imposto para a importação total ou complementar, conforme o caso.

  • 1º - A isenção ou redução do imposto, conforme as características de produção e de comercialização, e a critério do Conselho de Política Aduaneira, será concedida:

a) mediante comprovação da inexistência de produção nacional, e, havendo produção, mediante prova, anterior ao desembaraço aduaneiro, de aquisição de quota determinada do produto nacional na respectiva fonte, ou comprovação de recusa, incapacidade ou impossibilidade de fornecimento em prazo e a preço normal;

b) por meio de estabelecimento de quotas tarifárias globais e/ou por período determinado, que não ultrapasse um ano, ou quotas percentuais em relação ao consumo nacional.

  • 2º - A concessão será de caráter geral em relação a cada espécie de produto, garantida a aquisição integral de produção nacional, observada, quanto ao preço, a definição do Art.3º, do Decreto-Lei nº 37, de 18 de novembro de 1966.
  • 3º - Quando, por motivo de escassez no mercado interno, se tornar imperiosa a aquisição no exterior, de gêneros alimentícios de primeira necessidade, de matérias-primas e de outros produtos de base, poderá ser concedida para a sua importação, por ato do Conselho de Política Aduaneira, isenção do imposto de importação e da taxa de despacho aduaneiro, ouvidos os órgãos ligados à execução da política do abastecimento e da produção.
  • 4º - Será no máximo de um ano, a contar da emissão, o prazo de validade dos comprovantes da aquisição da quota de produto nacional prevista neste artigo e nas notas correlatas da Tarifa Aduaneira.
  • 5º - A isenção do imposto de importação sobre matéria-prima e outro qualquer produto de base, industrializado ou não, mesmo os de aplicação direta, somente poderá beneficiar a importação complementar da produção nacional se observadas as normas deste artigo.”

Ou seja, entre as condições legais que o Poder Executivo precisa observar para alterar as alíquotas do Imposto de Importação, está a possibilidade de conceder isenção do imposto “quando não houver produção nacional de matéria-prima e de qualquer produto de base, ou a produção nacional desses bens for insuficiente para atender ao consumo interno”.

Já há na doutrina posições que se alinham a esse entendimento, como expôs Leonardo Branco, em artigo sobre o tema:

“Cabe notar, no entanto, que as funções do Gecex devem se ater à legalidade, ou seja, observadas as condições e os limites estabelecidos em lei ao formular orientações e editar regras para a política tarifária na importação e na exportação, não sendo possível a criação de uma nova restrição não prevista pelo legislador.

Os critérios para a concessão da exceção tarifária em apreço constam, como apontado pela própria RFB, no artigo 4º da Lei No. 3.244/1957, e no inciso I do artigo 14 do Decreto-lei No. 37/1966, segundo o qual poderá ser concedida a isenção do tributo aduaneiro ‘aos bens de capital destinados à implantação, ampliação e reaparelhamento de empreendimentos de fundamental interesse para o desenvolvimento econômico do país, sem distinção no tratamento entre bens novos e usados.’”

Assim, embora se compreenda o interesse legítimo do Gecex de preservar a indústria nacional, é importante observar, com rigor, “as condições e os limites estabelecidos em lei”, como impõe o artigo 153, parágrafo 1º, da Constituição Federal.

A proibição absoluta da importação de bens de capital usados, além de afrontar as condições legais contidas no artigo 4º da Lei 3.244/57, também prejudica os interesses nacionais, ao impedir o acesso dos brasileiros a bens de capital que não sejam produzidos no mercado doméstico ou que sejam produzidos em volume insuficiente para atender à demanda interna.

 


[1] PAULSEN, Leandro. Direito Tributário, Constituição e Código Tributário, à luz da doutrina e da jurisprudência, 16ª edição, pág. 321

[2] CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário, 19ª edição, pág. 270

[3] Recurso Extraordinário 570.680; Súmula/STF 404