Quando se fala em creditamento de PIS e Cofins sobre insumos, o contexto normativo e jurisprudencial é sempre o mesmo: as referências legais dos arts. 3º, II, das leis 10.637/02 e 10.833/03 e o exame feito pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) no REsp 1.221.170/PR.

O STJ julgou o REsp 1.221.170/PR em 2018, sob o rito dos repetitivos, e declarou a ilegalidade das instruções normativas 247/02 e 404/2004, por considerar que os limites interpretativos para o conceito de insumo presentes nessas disposições normativas eram indevidos.

A Corte definiu o conceito de insumo para efeito do creditamento de PIS e Cofins conforme a previsão da Lei 10.637/02 e da Lei 10.833/03 e estabeleceu que ele deve ser aferido segundo critérios de “essencialidade” e “relevância” para determinado bem ou serviço no desenvolvimento da atividade desempenhada pelo contribuinte.

Apesar disso, o tema ainda é objeto de discussões no âmbito administrativo e judicial, haja vista a divergência entre fisco e contribuinte sobre a subsunção dos fatos aos conceitos abertos de “essencialidade” e “relevância” e a possibilidade de aplicação desses conceitos no contexto de atividades econômicas comerciais ou em etapas posteriores ao processo produtivo e/ou de prestação de serviços.

No que se refere especificamente às despesas de publicidade, propaganda e marketing, há duas principais correntes interpretativas:

  • uma defende a possibilidade de tomada de crédito de PIS e Cofins sobre as despesas, por considerar que esses gastos estão intrinsecamente ligados à geração de receitas e, portanto, são essenciais e relevantes para a atividade empresária; e
  • a outra entende que essas despesas, embora relevantes e certamente incorridas para gerar receitas, não se inserem no conceito legal de insumos, o qual exigiria, nessa linha, uma vinculação com a etapa de produção de bens e/ou serviços.

Ao examinar 21 decisões proferidas pelas turmas ordinárias do Carf sobre o tema,[1] todas após a fixação do conceito de insumos pelo STJ, percebe-se um entendimento majoritariamente desfavorável ao contribuinte, com a vedação da tomada de créditos de PIS e Cofins em relação a essas despesas.

A linha geral mantida nessas decisões é que, além de ser necessário comprovar a essencialidade e a relevância da despesa com a sua atividade-fim, essa despesa deve se encaixar na fase de produção e/ou prestação de serviços, o que, em geral, não ocorre com despesas de publicidade e marketing.

Para melhor compreender os argumentos acima, recorremos à decisão proferida por meio do acórdão 3302-012.005, proferido no dia 26/10/2021. Nela, a 2ª Turma da 3ª Câmara da 3ª Seção, por maioria de votos, manteve a glosa dos créditos de PIS e Cofins tomados por uma empresa líder na área de streaming.

O principal motivo suscitado foi que as despesas com propaganda e marketing não constituíam elemento estrutural e inseparável da execução do serviço realizado pela empresa (disponibilização de filmes e outros materiais visuais), de tal forma que a sua supressão não comprometeria a execução da sua atividade-fim.

O voto vencedor destacou que as despesas com propaganda e marketing “são apenas uma opção do contribuinte para buscar resultados rápidos e maiores, mas isso não justifica atrelar tais despesas como condição sine qua non para o exercício de suas atividades”.

O voto vencido, por sua vez, entendeu que, por se tratar de empresa virtual que faz o uso da tecnologia streaming com fim de angariar clientes para assistir aos produtos cinematográficos licenciados e distribuí-los aos seus consumidores, os serviços de marketing e publicidade seriam essenciais para a realização da atividade da empresa, sendo, portanto, passíveis de creditamento do PIS e da Cofins.

Esse voto teve como subsídio as provas juntadas que atestavam, com base em documentos e laudos preparados por especialistas do mercado, que a supressão desses gastos com propaganda e marketing impactaria tanto a geração de receita da empresa que a atividade empresarial seria indubitavelmente inviabilizada.

Destaca-se também o acórdão 3302-012.007, proferido em 26/10/2021 e desfavorável ao contribuinte. Nele, os conselheiros do Carf, apesar de terem reconhecido a importância dos gastos obtidos com propaganda e marketing para empresa que fabrica sabões e detergentes e vende produtos de limpeza, conservação doméstica, perfumaria e higiene pessoal, entenderam que esses custos não são essenciais para fins de execução de sua atividade, e, consequentemente, para fins de geração de crédito de PIS e Cofins.

Há ainda, embora minoritariamente, exemplos favoráveis ao contribuinte na jurisprudência do Carf, como se extrai do acórdão 3401.005-291, proferido em 29/08/2018. O acórdão reconheceu o direito de cliente do ramo de produção e venda de cosméticos, higiene, perfumaria e cosméticos em geral de apropriar-se de créditos a título de insumos decorrentes das despesas com propaganda e marketing.

Na decisão, em síntese, a turma do Carf entendeu que é possível o creditamento de PIS e Cofins, já que o objeto social da empresa envolve atividades como o estudo de viabilidade econômica, definição da estratégia de lançamento de seus produtos no mercado e validação de resultados, que têm relação direta com as atividades de marketing e propaganda.

Nessa mesma linha, a 1ª Turma Ordinária da 2ª Câmara da 3ª Seção, por meio do acórdão 3201-005.668, proferido em 21/08/2019, ao analisar processo envolvendo empresa administradora de cartão de crédito, reconheceu o direito da empresa de apurar créditos de PIS e Cofins sobre as despesas com marketing, por considerar a essencialidade e relevância desses serviços para o desempenho de sua atividade empresária.

Mais especificamente, ao comparar a natureza da receita apurada e os insumos utilizados, a turma do Carf, por maioria de votos, concluiu que os serviços específicos prestados pela empresa a seus clientes são exatamente aqueles vinculados ao desenvolvimento de marcas e desempenho de mercado. Estariam, portanto, ligados diretamente a serviços relacionados a marketing e publicidade e, dessa forma, são intrínsecos à sua prestação de serviços.

Embora pareça mais adequado analisar de forma mais profunda a essencialidade e relevância dos gastos com marketing, publicidade e propaganda do ponto de vista do impacto na geração de receitas e na consecução da atividade-fim do contribuinte, percebe-se que o Carf examina as particularidades do caso concreto apenas para verificar se os gastos guardam relação de pertinência, essencialidade e relevância com o processo produtivo ou com a prestação do serviço, para viabilizar a venda e a entrega do bem ou serviço para o consumidor final.

Apesar da importância da discussão sobre o tema, principalmente em um cenário de maior competividade entre as empresas e, consequentemente, maior necessidade de investimento em marketing, publicidade e propaganda, o posicionamento majoritário indica uma interpretação restritiva da possibilidade de creditamento dessas despesas.

O tema foi objeto de apreciação apenas das turmas ordinárias do Carf. A 3ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais do órgão, instância máxima no âmbito administrativo e responsável pela pacificação dos conflitos interpretativos, ainda não se manifestou sobre o mérito da questão. Esse fato nos leva a aguardar as discussões e a possibilidade de uma reviravolta na jurisprudência hoje majoritária do órgão.

 


[1]3302-012.005, 3302-012.007, 3301-011.071, 3301-011.073, 3301-011.074, 3301-011.075, 3301-011.076, 3301-011.077, 3301-011.079, 3301-011.081, 3302-010.033, 3302-009.388, 3302-009.389, 3302-009.390, 3003-001.184, 3302-008.120, 3301-007.117, 3001-000.939, 3201-005.668, 3301-005.689, 3401-005.291