A Instrução Normativa nº 1.888/2019 (IN 1.888), que institui e disciplina a prestação de informações relativas a operações com criptoativos, mostra a preocupação da Receita Federal do Brasil (RFB) em dar transparência às transações com moedas virtuais e, embora represente um aumento de custos para algumas empresas que operam nesse mercado, pode dar mais credibilidade ao setor e ajudar a atrair novos players.
O esforço da RFB em publicar uma instrução normativa específica para esse fim confirma o que o mercado e os especialistas do ramo já sabiam: o volume de transações com criptoativos decolou nos últimos anos e ainda tem forte potencial de crescimento. Com efeito, a exposição de motivos que acompanhou a Consulta Pública RFB nº 6/2018 sobre o tema já trazia estimativa de movimentação de R$ 18 a 45 bilhões em bitcoins apenas em 2018.
Embora o bitcoin seja a mais conhecida das “moedas virtuais”, já é possível identificar no mercado uma avalanche de novas “altcoins” e outras espécies de ativos criptografados. Atenta a esse movimento, a RFB se preocupou em dar aos criptoativos uma definição abrangente, em vez de apenas utilizar a expressão “moedas virtuais”, e equipará-los a ativos financeiros, como vinha fazendo nas edições mais recentes do Perguntas e Respostas do Imposto de Renda da Pessoa Física (Perguntão).
De acordo com a IN 1.888, criptoativo é “a representação digital de valor denominada em sua própria unidade de conta, cujo preço pode ser expresso em moeda soberana local ou estrangeira, transacionado eletronicamente com a utilização de criptografia e de tecnologias de registros distribuídos, que pode ser utilizado como forma de investimento, instrumento de transferência de valores ou acesso a serviços, e que não constitui moeda de curso legal”.
A generalidade e a extensão da definição adotada pela RFB sugerem que o fisco buscará impor as obrigações trazidas pela IN 1.888 a todas as espécies de operações ou investimentos envolvendo criptografia, incluindo os chamados security e utility tokens, e não apenas às criptomoedas. Por esse motivo, inclusive, entendemos que não se pode descartar a possibilidade de, no futuro, a RFB passar a exigir que transações com moedas fictícias de jogos virtuais, ou mesmo créditos para uso de determinados aplicativos, sejam também informados com base na nova norma.
“A generalidade e a extensão da definição adotada pela RFB sugerem que o fisco buscará impor as obrigações trazidas pela IN 1.888 a todas as espécies de operações ou investimentos envolvendo criptografia, incluindo os chamados security e utility tokens, e não apenas às criptomoedas.”
Seguindo o esforço de ampliação do escopo de pessoas obrigadas à prestação de informações, a RFB também definiu o conceito de exchange de criptoativo. De acordo com a IN 1.888, exchange de criptoativo é “a pessoa jurídica, ainda que não financeira, que oferece serviços referentes a operações realizadas com criptoativos, inclusive intermediação, negociação ou custódia, e que pode aceitar quaisquer meios de pagamento, inclusive outros criptoativos”.
A RFB ainda esclarece que o conceito de intermediação de operações com criptoativos abrange “a disponibilização de ambientes para a realização das operações de compra e venda de criptoativo realizadas entre os próprios usuários de seus serviços”.
Como se verá adiante, a verificação do enquadramento de uma pessoa jurídica como exchange é importante porque a IN 1.888 atribui a essas instituições obrigações mais rígidas, inclusive quanto ao controle de seus usuários. Por outro lado, vale notar que a definição acima se refere somente às pessoas jurídicas que prestem serviços relacionados a operações realizadas com criptoativos, não alcançando entidades que apenas aceitam ou utilizam criptoativos como forma de pagamento. Desse modo, as empresas que meramente trocam (ou vendem) seus produtos ou serviços por bitcoins, por exemplo, não deverão estar sujeitas às obrigações impostas às exchanges.
No mesmo sentido, a IN 1.888 também não se refere expressamente às empresas que fornecem plataformas para que os usuários possam trocar produtos ou serviços por criptoativos, sem que os criptoativos em si possam ser comprados e vendidos por dinheiro. Assim, em princípio, marketplaces que hospedem vendedores cujas formas de pagamento aceitas incluam os criptoativos também poderiam não ser considerados exchanges.
Esclarecidas as definições, a RFB determinou que as pessoas físicas ou jurídicas que realizarem operações envolvendo criptoativos prestem, por conta própria ou por meio de procurador, as informações requeridas pela IN 1.888 em relação às transações que ultrapassem o volume mensal de R$ 30 mil. Tais operações incluem a realização de compra e venda, permuta, doação e, inclusive, o “saque” ou “depósito” de criptoativos em exchange. Essas pessoas físicas e jurídicas devem reportar, entre outras informações, a data, o tipo, o valor e os titulares da operação, os criptoativos utilizados e o endereço da wallet do remetente e do destinatário.
Esses usuários, contudo, apenas devem prestar as informações acima na hipótese de realizarem operações fora de exchange ou por meio de exchange estrangeira. No caso de operações com criptoativos em exchange brasileira, a obrigação de prestar a informação passa a ser da exchange, e não dos usuários pessoas físicas ou pessoas jurídicas mencionados anteriormente.
Por sua vez, as exchanges domiciliadas no Brasil ficam obrigadas a prestar as mesmas informações sobre as transações realizadas por seus usuários. Em ambos os casos (entrega pelos usuários ou pelas exchanges), a periodicidade é mensal.
Além disso, as exchanges devem informar até o fim de janeiro de cada ano os saldos de moedas fiduciárias (dinheiro) e de criptoativos de cada um de seus usuários em 31 de dezembro do ano anterior, bem como o custo de aquisição de cada um desses criptoativos, se declarado pelo usuário. Essas regras parecem ter como objetivo o controle dos ganhos auferidos pelos usuários em transações com criptoativos, que, conforme posicionamento adotado pela RFB nas edições mais recentes do Perguntão, são tributáveis pelo imposto de renda.
As entidades alcançadas pela definição de exchange da RFB precisarão manter sistemas informatizados de gestão para conseguirem gerar todas as informações requeridas pelo órgão em tempo hábil para o cumprimento dos prazos estabelecidos. Do mesmo modo, é recomendável que as exchanges se preparem para orientar seus usuários em relação aos novos procedimentos exigidos pela RFB.
O atraso, omissão, inexatidão ou incorreção na entrega das informações solicitadas pela RFB sujeitam o declarante a multas que variam entre R$ 100,00 e 3% do valor das operações a que se referirem, a depender da qualificação do declarante e do tipo de infração cometido.
A partir da leitura da IN 1.888, é possível prever que a RFB exigirá a comunicação de toda e qualquer transação relevante envolvendo ativos digitais. Com efeito, a IN 1.888 é parte de um esforço da RFB já sentido por outros setores, como o de administração de fundos de investimentos, para aumentar a transparência e a confiabilidade de transações que, na visão do fisco, têm alto potencial para facilitar ou acobertar condutas ilícitas. Esse esforço se alinha a uma tendência internacional de cobrar maior transparência de instituições financeiras e assemelhadas a respeito de operações realizadas por seus clientes.
Assim, apesar de aumentar os custos de conformidade, a IN 1.888 poderá assegurar a credibilidade dos operadores de criptoativos que cumprirem com as suas exigências. Sob esse ponto de vista, a nova medida da RFB tem o potencial de atrair setores até o momento resistentes ao uso de criptoativos, como pode ser o caso de investidores institucionais e instituições financeiras.