A Emenda Constitucional 125, promulgada em 14 de julho de 2022 (EC 125/22), introduziu um novo requisito para o conhecimento do recurso especial pelo STJ: demonstração da relevância das questões de direito federal infraconstitucional debatidas no caso[1].

O instituto é semelhante à repercussão geral, mas difere quanto à demonstração e transcendência subjetiva da matéria a ser apreciada: no STF, constitucional; no STJ, direito federal infraconstitucional.[2]

Na exposição de motivos da proposta que resultou na aprovação da EC 125/22, seus autores afirmam que a exigência de demonstração da repercussão geral no recurso extraordinário possibilitou uma grande redução do número de recursos distribuídos no STF, razão pela qual seria recomendável adotar o mesmo instrumento também para o STJ.

Com exceção dos casos em que a relevância é presumida, listados no § 3º do artigo 105 da Constituição Federal de 1988, para que uma matéria possa vir a ser apreciada pelo STJ, ela terá que ser de grande interesse nacional e transcender o interesse das partes envolvidas no recurso especial. Com isso, a Corte será capaz de canalizar sua atenção e esforço para o enfrentamento de questões de grande relevância.

O STJ é o tribunal competente para estabelecer a interpretação da legislação federal infraconstitucional e dirimir divergência jurisprudencial existente entre tribunais. Ao contrário do que acontece em uma corte constitucional, cuja atuação deve se ater aos conflitos envolvendo questões constitucionais caras ao ordenamento e cujo norte interpretativo serve de horizonte para construção de normas a partir de enunciados introduzidos pela legislação ordinária ou complementar, o STJ tem como função interpretar a legislação federal infraconstitucional como um todo, independentemente de isso ser do interesse de pequeno ou grande número de indivíduos.

Além disso, em relação à divergência de jurisprudência, o simples fato de haver posições distintas entre dois tribunais justifica a ação do STJ para dirimir a questão, mesmo que o assunto tenha poucos interessados.

No STJ, há também um mecanismo que permite o julgamento de temas com certo descolamento da discussão travada pelas duas partes no processo: o recurso especial repetitivo. Nesse tipo de recurso, quando a matéria é considerada repetitiva, a seção competente apreciará o tema em sua maior abrangência e, no segundo momento, a solução será aplicada para resolver o processo que levou o assunto ao tribunal. Ou seja, é um verdadeiro instrumento que permite o julgamento de teses pelo STJ.

O procedimento de afetação do tema para apreciação pela seção conta com participação de todos os membros daquele órgão fracionário, do que se infere que não são todas as matérias que poderão ser decididas segundo essa sistemática. Somente quando for constatado – a partir da manifestação de todos os ministros que compõem o órgão fracionário – que o tema é objeto de muitos recursos, ele será submetido a uma apreciação ampla pela seção e a decisão terá um grau de vinculação para as turmas do próprio tribunal e dos órgãos de instância inferior.

Portanto, a introdução de um requisito como a arguição de relevância da matéria em discussão no recurso especial como condição ao seu conhecimento teria o poder de modificar as características essenciais do STJ como tribunal que, primordialmente, interpreta a legislação federal infraconstitucional e dirime divergência jurisprudencial entre tribunais de 2º grau.

Apesar de entender que a exigência de demonstração da relevância da matéria altera características importantes do STJ, já que a EC 125/22 foi promulgada e o filtro deverá ser observado para o conhecimento do recurso especial, vislumbramos uma possibilidade de superação da chamada “jurisprudência defensiva” em relação ao conhecimento de recursos interpostos com base em conflito jurisprudencial, de modo que a função do STJ volte a ter mais protagonismo.

Entre as hipóteses autônomas de cabimento de recurso especial do artigo 105, III, da Constituição Federal, a alínea ‘c’ autoriza a sua interposição quando a decisão “der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal” (divergência de jurisprudência). Nessa circunstância, a simples demonstração de que a decisão recorrida interpretou um dispositivo legal em sentido diverso daquela dada por outro tribunal já autoriza o conhecimento do recurso especial, competindo ao STJ decidir qual é a interpretação adequada – e que deverá prevalecer.

Entretanto, com o passar dos anos, formou-se no STJ uma corrente que defende que o conhecimento do recurso especial interposto com base na existência de conflito jurisprudencial estaria condicionado à comprovação da violação ou negativa de vigência da legislação federal infraconstitucional para o caso. Em outras palavras, foi conferida maior importância a uma das hipóteses de cabimento do recurso especial e adicionado um requisito para o conhecimento do recurso baseado em divergência jurisprudencial.

A EC 125/22, nesse particular, poderá contribuir para que o STJ supere essa linha interpretativa equivocada e retome o seu protagonismo como tribunal competente para uniformizar a interpretação da legislação federal infraconstitucional, ainda que não esteja diante de violação ou negativa de vigência.

Não custa recordar que os dispositivos legais podem ser interpretados em diversos sentidos, desde que haja coerência e respeite o ordenamento jurídico. Além disso, enquanto não houver uma manifestação com força vinculante emanada de um tribunal superior, as autoridades não poderão ficar tolhidas de desempenhar a sua função na espera de um posicionamento com essa característica. Isso leva a decisões em sentidos diversos, sem que haja violação da lei.

No § 3º introduzido ao artigo 105 da Constituição pela EC 125/22, o seu inciso V estabelece que haverá relevância nas “hipóteses em que o acórdão recorrido contrariar jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça”. Observe-se que essa é uma das hipóteses expressas em que há relevância da questão tratada no recurso especial.

Ainda que o preceito indique que a relevância ocorrerá contrariamente à jurisprudência do próprio STJ, deve-se conferir uma interpretação sistemática à hipótese e restabelecer a função uniformizadora do tribunal, tão desprestigiada nos últimos anos.

Diante da introdução de um novo requisito para o conhecimento do recurso especial e estabelecidas algumas hipóteses em que há relevância da questão tratada, surge uma oportunidade para superar a linha interpretativa equivocadamente construída com o único fim de impedir o processamento de recursos especiais. Coloca-se também a chance de restabelecer uma das competências do STJ, que é uniformizar a jurisprudência e solucionar a divergência de interpretação da legislação federal infraconstitucional entre tribunais.

 


[1] No dia 08/11/2022, foi publicado o Enunciado Administrativo STJ nº 8, o qual estabelece que a demonstração da relevância da matéria discutida no recurso especial somente será exigida após a entrada em vigor da lei regulamentadora

[2] ALVIM, Teresa Arruda; DANTAS, Bruno. Recurso especial, recurso extraordinário e a nova função dos tribunais superiores. 5ª ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2018. p. 320.