Encerrando a trilogia sobre os principais temas analisados em cada uma das três turmas da Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF) do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) em 2022, analisamos neste artigo os casos julgados pela 3ª Turma da CSRF e as perspectivas para este ano.
Um tema de grande repercussão analisado em 2022 foi a discussão sobre a inclusão de bonificações e descontos na base de cálculo do PIS e da Cofins. O resultado foi favorável ao contribuinte, com a aplicação do art. 19-E da Lei 10.522/02 (Acórdãos 9303-013.339 e 9303-013.338).
Prevaleceu na 3ª Turma da CSRF o entendimento de que os descontos e as bonificações não têm natureza de receita. Ambos seriam elementos que integram o custo de aquisição e, portanto, não devem ser incluídos na base de cálculo das referidas contribuições.
Considerando que um dos conselheiros representantes dos contribuintes havia votado de forma desfavorável a eles, o voto do então presidente do Carf, Carlos Henrique de Oliveira, em favor dos contribuintes foi decisivo para o empate na votação – resultado que deu vitória aos contribuintes.
Outro caso que ganhou destaque envolve o creditamento de PIS e de Cofins sobre o frete de produtos acabados entre estabelecimentos da mesma empresa, cuja jurisprudência era instável.
Os casos julgados em agosto e em setembro de 2022 representaram importante virada na jurisprudência da turma. O resultado foi favorável ao contribuinte, por maioria de votos, o que possibilitou a tomada de créditos sobre essa despesa (Acórdãos 9303-013.339, 9303-013.338 e 9303-013.299).
Ainda com relação a créditos de PIS e de Cofins, o colegiado reconheceu, por aplicação do art. 19-E da Lei 10.522/02, a possibilidade de creditamento sobre custos e despesas decorrentes da revenda de combustíveis, produtos tributados sob o regime monofásico (Acórdão 9303-012.861).
Esse julgamento, porém, é anterior[1] ao precedente firmado pela 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que, no âmbito de recurso repetitivo (REsp 1.894.741/RS – Tema Repetitivo 1093), entendeu pela impossibilidade da constituição de créditos de PIS e de Cofins sobre os componentes do custo de aquisição de bens sujeitos à tributação monofásica.
Em relação à discussão que envolve a suspensão de IPI nas vendas de matérias-primas, produtos intermediários e materiais de embalagem destinados a estabelecimentos que se dediquem à elaboração dos produtos especificados no art. 29 da Lei 10.637/02, pela primeira vez o contribuinte obteve decisão favorável no colegiado, com o reconhecimento da suspensão para estabelecimentos equiparados a industriais, por aplicação do art. 19-E da Lei 10.522 (Acórdão 9303-012.818).
Quanto ao conceito de faturamento para instituições financeiras, a turma manteve seu entendimento e considerou que o faturamento dessas instituições corresponde à totalidade das receitas brutas auferidas, incluindo as receitas financeiras, já que seriam as principais receitas da atividade bancária e, portanto, deveriam integrar o faturamento de bancos – base de cálculo do PIS e da Cofins (Acórdãos 9303-013.369 e 9303-013.370).
A turma também analisou a possibilidade de aplicação da multa isolada de 50% por não recolhimento de antecipações do IRPJ e da CSLL cumulada com a multa de ofício de 75%.[2]
Apesar de o tema ser de competência originária da 1ª Turma da CSRF, ele também vem sendo julgado pela 3ª Turma da CSRF, devido à extensão de competência decorrente da Portaria Carf 15.081/20 e da Portaria Carf 12.202/21. O colegiado teve entendimento desfavorável ao contribuinte e, por maioria dos votos, decidiu pela possibilidade de manutenção da cobrança concomitante das penalidades para fatos geradores ocorridos após 2007 (Acórdão 9303-012.015).
Perspectivas para 2023
Talvez o maior dos desafios que os contribuintes enfrentarão este ano é o retorno do voto de qualidade em caso de empate nos julgamentos do Carf. Essa nova previsão legal foi estabelecida com a edição da Medida Provisória 1.160/23 e a consequente revogação do art. 19-E da Lei 10.522/02, segundo o qual o julgamento deveria ser resolvido favoravelmente ao contribuinte em caso de empate na votação.
A nova MP 1.160/23 pode reverter o resultado do julgamento de diversos temas que vinham sendo resolvidos de forma favorável ao contribuinte no contencioso administrativo.
Especificamente em relação à 3ª Turma da CSRF, é esperada em 2023 uma grande alteração na composição oficial do colegiado, já que os mandatos dos quatro conselheiros representantes dos contribuintes se encerram no mês de junho, sem possibilidade de recondução. Essa circunstância levará à nomeação de novos conselheiros em proporção que não ocorria desde a Operação Zelotes, em 2016.
Ainda em relação à da 3ª Turma da CSRF, responsável por julgar questões referentes ao PIS e à Cofins, um ponto que merece atenção é a publicação, em dezembro de 2022, da Instrução Normativa RFB 2121/22, que consolida normas sobre apuração, cobrança, fiscalização, arrecadação e administração das contribuições. A nova norma substitui a Instrução Normativa RFB 1.911/19 e traz inovações relevantes especialmente sobre o aproveitamento de créditos, o que deverá ter repercussões nos julgamentos da turma.
A retrospectiva dos principais casos julgados pela Câmara Superior do Carf no ano de 2022 mostra que o órgão vem desempenhando papel central na formação de teses e de jurisprudência em matéria tributária, seja pela qualidade e profundidade das discussões, pela complexidade e especificidade dos casos ou pelos valores envolvidos.
Para 2023 são esperadas mudanças na jurisprudência de alguns temas, em especial com a volta do voto de qualidade. A atenção deverá ser redobrada para aquelas teses que vinham sendo julgadas de forma favorável ao contribuinte com base no art. 19-E da Lei 10.522.
De toda forma, esperamos que o órgão mantenha o padrão de qualidade dos julgamentos observado nos últimos anos, para que a instituição se fortaleça e continue a atuar como principal mecanismo de revisão dos atos administrativos, com o objetivo último de reduzir litígios judiciais.
[1] O julgamento do Carf ocorreu na sessão do dia 16 de fevereiro de 2022 e o acórdão foi publicado em 25 de abril de 2022. Já o recurso repetitivo do STJ foi julgado em 27 de abril de 2022 e o acórdão publicado em 5 de maio de 2022.
[2] Vide artigo publicado na página do Inteligência Jurídica do Machado Meyer sobre o tema.