Após um período turbulento devido à falta de quórum no Tribunal Administrativo, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) inicia seus trabalhos em 2020 com quatro novos conselheiros no tribunal e fôlego renovado na Superintendência-Geral, após a recondução do superintendente em outubro.
Espera-se para este ano uma atuação mais diversificada da autarquia, cada vez mais próxima dos demais atores envolvidos na promoção da atual agenda econômica em setores estratégicos e que vá além das funções tradicionais de investigação de infrações à ordem econômica e análise de atos de concentração.
A atuação do Cade em setores regulados deve ganhar mais relevância diante dos projetos de ação conjunta com outras agências. No setor financeiro, por exemplo, o Cade e o Banco Central do Brasil têm travado discussões sobre a atuação de fintechs, a implementação do open banking e a adoção de sandbox regulatório para promover inovações no sistema financeiro e fomentar a concorrência no mercado bancário. No setor aéreo, o órgão deve atuar na revisão das regras sobre distribuição de slots em aeroportos.
O Cade tem manifestado preocupação crescente com os possíveis efeitos anticompetitivos de condutas relacionadas a praticagem e a taxas cobradas em portos públicos. No setor de telecomunicações, o órgão expressou publicamente a intenção de participar das discussões sobre o leilão da 5ª geração de telefonia móvel.
É possível ainda que o Cade venha a reforçar sua atuação direta na promoção da concorrência em setores regulados, movimento iniciado em 2019 com a celebração de termos de compromisso de cessação para encerrar investigações contra a Petrobras. Na época, a empresa se comprometeu a vender refinarias e ativos relacionados ao mercado de gás natural, além de assumir compromissos acessórios para solucionar problemas no mercado de gás.
No que diz respeito à repressão de condutas anticompetitivas, o Cade pretende publicar nos próximos meses um guia de dosimetria para explicitar os critérios de determinação das penalidades aplicadas no julgamento de processos administrativos. A medida ocorre no contexto das discussões travadas no Tribunal Administrativo sobre a falta de uniformidade e robustez das decisões da autarquia e sobre a necessidade de levar em conta a vantagem auferida pelo infrator na parametrização das multas por cartel.
O Cade deve ainda intensificar e aprimorar as investigações de condutas unilaterais, em especial no setor financeiro, em que diversas práticas relacionadas a meios de pagamento já estão na mira do órgão. O mesmo deve acontecer em relação ao tema dos carteis em licitações públicas, graças à consolidação de parcerias institucionais com ministérios públicos estaduais e ao uso de ferramentas de inteligência artificial para buscar evidências de atividades anticompetitivas em bancos de dados de compras públicas.
Espera-se também que o Cade incentive de modo mais efetivo as ações privadas de reparação de danos por infrações concorrenciais perante o Judiciário. O órgão editou em novembro de 2019 portaria que regulamenta os procedimentos previstos em uma resolução editada em 2018, para que terceiros interessados acessem os documentos e as informações constantes dos processos administrativos,
Em atos de concentração, o Cade desempenhará papel relevante na análise dos efeitos concorrenciais de operações que ocorrerem no programa de desestatização do governo federal nos próximos anos. A autarquia tem procurado aumentar e capacitar seu quadro de servidores para manter a celeridade na análise dos casos.
Em linha com a atuação dos órgãos antitruste internacionais, o Cade tem dedicado bastante atenção às operações entre empresas que atuam em mercados digitais, cujos riscos concorrenciais tendem a não ser identificados e mensurados pelas ferramentas analíticas tradicionais. Em geral, as partes dessas operações não atingem o critério legal de faturamento para notificação obrigatória. Diante da relevância cada vez maior da economia digital e da necessidade de formar massa crítica para definir sua política de atuação e intervenção em mercados altamente dinâmicos, é possível que o Cade venha a exigir a notificação de algumas dessas operações nos próximos anos, exercendo uma faculdade prevista na Lei de Defesa da Concorrência que foi usada com parcimônia até hoje.
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