O novo Código de Processo Civil (CPC) privilegiou a autonomia da vontade das partes, com a valorização da conciliação e a instituição de um modelo cooperativo de processo, princípios consubstanciados no instituto do negócio jurídico processual (art. 190). As partes plenamente capazes podem influenciar e participar diretamente nos procedimentos envolvendo direitos que admitam autocomposição, com previsão de convenção sobre os ônus, poderes, faculdades e deveres processuais.
A expectativa do legislador era garantir maior celeridade e efetividade aos processos, já que, em determinadas circunstâncias, as partes podem adequar as regras processuais ou procedimentais às especificidades da causa.
A recuperação judicial, por sua vez, consubstancia procedimento sujeito a regime especial estabelecido pela Lei nº 11.101/2005 (Lei de Falências e Recuperação de Empresas - LFR), com aplicação subsidiária do CPC no que couber e no que a legislação falimentar for lacunosa ou omissa.
Diante disso, considerando que a recuperação judicial envolve uma grande negociação coletiva sobre direitos eminentemente patrimoniais, fundamentalmente entre devedor e credores, passou-se a discutir, entre outros pontos, a possibilidade de adequação dos prazos da LFR à realidade de cada caso e a possibilidade de usar a mediação entre recuperanda e credores.
Em outras palavras, cogita-se aplicar o negócio jurídico processual à recuperação judicial para adequar o processo de recuperação a determinadas peculiaridades. Alguns exemplos disso: (i) o prazo insuficiente para realizar assembleia geral de credores e apresentar um plano de recuperação judicial robusto, quando se está diante de um grupo empresarial com perfil de endividamento sofisticado e vários partícipes (Grupo OAS, Grupo OI, Grupo Abengoa); (ii) a contagem dos prazos em dias úteis e não em dias corridos, especialmente para apresentar impugnações ou habilitações de crédito, considerando as novas regras do CPC; e (iii) o prazo para encerramento da recuperação judicial (art. 61, LFR), que pode se mostrar muito extenso, expondo a devedora a um desgaste reputacional por período mais longo que o necessário.
Nesse sentido, algumas decisões judiciais de primeira instância já modularam as regras procedimentais e de prazo da recuperação judicial segundo os princípios do negócio jurídico processual. É justamente o caso das empresas Eneva e Zamin, em que o juiz de primeira instância determinou o encerramento das recuperações judiciais em período menor do que os dois anos previstos no art. 61 da LFR, sob o argumento de que os respectivos planos de recuperação judicial previam obrigações mais curtas e que as empresas permaneceriam em recuperação judicial por período extenso, enfrentando problemas conhecidos de restrição de crédito e de credibilidade no mercado.
No entanto, embora o Tribunal do Estado do Rio de Janeiro tenha mantido a decisão de primeira instância, esse não foi o entendimento do Tribunal de Justiça de São Paulo, que reformou as decisões, afirmando que a regra de supervisão judicial de dois anos seria cogente e seu encurtamento poderia trazer prejuízos à coletividade, ao impor restrição aos credores da garantia, amparada pelo Judiciário, da convolação em falência automática por descumprimento do plano de recuperação judicial.
É certo, portanto, que caberá ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) dirimir a controvérsia e consolidar entendimento acerca dos limites de aplicação do CPC à recuperação judicial. Embora a corte já tenha se posicionado com relação à contagem de prazos em dias corridos para o stay period e para a apresentação do plano (REsp 1.699.528/MG), ainda não houve manifestação do STJ sobre a possibilidade de aplicação do instituto do negócio jurídico processual às recuperações judiciais.
Em princípio, vemos com bons olhos a aplicação do negócio jurídico processual às recuperações judiciais, com a possibilidade de devedor e credores definirem, entre outros pontos, um calendário processual específico.