Nova decisão do Tribunal Superior do Trabalho (TST) reabriu as discussões sobre o conceito de doença estigmatizante adotado pelos tribunais trabalhistas. Em acórdão publicado no mês de abril, os ministros da Subseção I Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1) do TST, por unanimidade, negaram provimento ao recurso de embargos apresentado pela empresa embargante e mantiveram decisão da Sétima Turma do TST que reconheceu o câncer de próstata como doença estigmatizante.[1]

A sentença e o acórdão do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região (TRT) tinham indeferido o pedido de reintegração pleiteado pelo reclamante, sob o fundamento de que a prova produzida nos autos não demonstrara a alegada dispensa discriminatória por parte da empresa. Na ocasião, alegou-se ainda que a experiência do reclamante havia sido elogiada, admirada e reconhecida pelos empregadores, especialmente pelo fato de se tratar de executivo bem remunerado.

A reversão do acórdão proferido pelo TRT pôs em discussão a própria definição de doença estigmatizante, já que a Súmula nº 443 do TST, ao presumir discriminatória a dispensa de empregado “portador do vírus HIV ou de outra doença grave que suscite estigma ou preconceito”, não definiu quais seriam essas doenças graves, o que gerou as mais variadas interpretações pelos tribunais trabalhistas.

Para que se possa debater a recente decisão proferida pelo TST é importante definir o conceito de “estigmatizante” e analisar se, de fato, ele foi relativizado. A rigor, “estigmatizante” é algo que possa suscitar o preconceito das pessoas e ensejar até o afastamento de colegas de trabalho, bem como o julgamento de determinada condição.

Projetando o mesmo raciocínio para “doenças estigmatizantes”, conclui-se que o conceito se refere às enfermidades que, única e exclusivamente por sua existência, possam ensejar comportamentos reprováveis dos demais colegas em relação ao empregado portador da doença, sem outro motivo aparente, inclusive deixando de envolvê-lo em assuntos, eventos e rotinas importantes.

Ocorre que o conceito de “doença estigmatizante” também tem conotação subjetiva, se entendermos que as mesmas doenças podem ser consideradas estigmatizantes em um local de trabalho e não em outro, a depender da forma como são encaradas pelos colegas de trabalho. Essa situação faz com que a “doença estigmatizante” seja fruto de uma construção jurisprudencial, o que gera insegurança nos empregadores, inclusive para definir se poderão ou não dispensar determinados empregados por baixa produtividade, por exemplo, mas que também apresentem algum comprometimento em seu quadro clínico. Isso porque, caso o empregado seja portador de doença considerada estigmatizante, não havendo efetiva demonstração da baixa produtividade, por exemplo, a dispensa será considerada discriminatória por presunção.

O câncer, por sua vez, partindo do pressuposto de que não suscita estigma ou preconceito, já que sequer tem natureza contagiosa, a rigor afastaria a presunção de doença discriminatória e não alteraria a análise/ônus da prova em eventual questionamento judicial. No entanto, o entendimento até então defendido pela maior parte dos tribunais trabalhistas possivelmente será reconsiderado diante da nova decisão do TST, o que mais uma vez aumenta a insegurança jurídica das empresas.

Trata-se de decisão paradigmática, já que a SDI-1 do TST é o órgão revisor das decisões das turmas e unificador da jurisprudência do TST. O entendimento pode alterar a forma como os tribunais trabalhistas vinham interpretando o texto da Súmula nº 443 do TST e até mesmo ampliar o rol de doenças consideradas estigmatizantes.

Por essa razão, é recomendável que todas as questões relacionadas a histórico, performance e avaliação dos empregados sejam devidamente formalizadas e documentadas, a fim de descartar a presunção de discriminação nas dispensas dos que são portadores de doenças estigmatizantes.


[1] Ver autos do processo nº TST-RR-68-29.2014.5.09.0245.