Dando continuidade à nossa série sobre o Marco Regulatório Trabalhista Infralegal (Decreto 10.854/21), abordamos neste artigo seus impactos sobre as empresas prestadoras de serviços a terceiros, nos termos da Lei 6.019/74.
Antes de entrar no tema, é importante lembrar que o Decreto 10.854/21 tem por objetivo simplificar e desburocratizar as normas trabalhistas. Seu foco é organizar anos de confusas legislações e entendimentos jurisprudenciais a respeito da chamada terceirização de serviços. Para isso, o texto busca unificar o entendimento e eliminar qualquer lacuna existente, com o intuito de trazer maior proteção e segurança jurídica às empresas.
O decreto inicia sua abordagem com a definição de terceirização: “a transferência feita pela contratante da execução de quaisquer de suas atividades, inclusive de sua atividade principal, à pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviços que possua capacidade econômica compatível com a sua execução”. Com isso, reafirma o sentido da Lei 13.429/17, a qual possibilitou a terceirização da atividade-fim.
A nova legislação reitera a inexistência de vínculo trabalhista entre o trabalhador terceirizado e a empresa contratante, regulamentando definitivamente a lacuna deixada pela Lei 6.019/74, até então preenchida pela Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho (TST).
Segundo o Decreto 10.854/21, o vínculo do trabalhador diretamente com a empresa contratante somente será possível quando houver comprovação de fraude na contratação da prestadora dos serviços e forem identificados, individualmente, quatro elementos caracterizadores de vínculo trabalhista: não eventualidade; subordinação jurídica; onerosidade; e pessoalidade.
Ao estabelecer esse critério, o decreto buscou dar maior proteção às empresas contratantes do que a proporcionada pela Súmula 331 do TST, que previa apenas dois elementos para formação de vínculo: a pessoalidade e a subordinação direta.
Também visando proteger as empresas e acabar com a insegurança jurídica que pairava sobre a terceirização, a nova legislação utiliza a expressão “subordinação jurídica” em vez de “subordinação direta”, dificultando significativamente a comprovação do vínculo.
De acordo com o parágrafo 6º do artigo 39, para caracterizar a subordinação jurídica, além de demonstrar o caso concreto, será necessário comprovar “submissão direta, habitual e reiterada do trabalhador aos poderes diretivo, regulamentar e disciplinar da empresa”. Ou seja, a partir da vigência do decreto ficou mais difícil comprovar a existência de vínculo, se comparado ao cenário anterior.
O conjunto de regras específicas e rígidas decerto dificultará as autuações administrativas sobre as empresas de terceirização, uma vez que a margem discricionária do fiscal para justificar eventual autuação foi bastante reduzida. Será necessário analisar caso a caso e fundamentar substancialmente a vinculação nos elementos acima descritos.
Ainda sobre a terceirização, o decreto aborda a possibilidade de culpabilizar o grupo econômico e trata dos limites da responsabilidade da empresa contratante e da contratada.
O parágrafo único do artigo 40 veda a caracterização de grupo econômico pela mera identidade de sócios em casos de terceirização. A proibição alinha-se ao artigo 2, parágrafo 3, da CLT, introduzido pela Reforma Trabalhista, o qual estabelece que, para configuração do grupo econômico, haja: interesse integrado; efetiva comunhão de interesses; e atuação conjunta entre as empresas dele integrantes.
Ao reforçar as barreiras à caracterização do grupo econômico fica explícito o intuito do decreto de limitar a responsabilidade apenas ao contratante e ao contratado do serviço terceirizado, evitando a ação da Justiça do Trabalho sobre o grupo econômico em decorrência de mera identidade de sócios.
De maneira geral, o Decreto 10.854/21 visa proteger o instituto da terceirização, autorizando sua utilização de maneira cada vez mais ampla e irrestrita. Ainda que tímidas, suas determinações são relevantes para consolidar a terceirização como forma de fazer negócios, evitando dar margem a interpretações subjetivas dos órgãos administrativos e judiciais e, consequentemente, trazendo segurança jurídica ao ambiente de negócios.
Por zelo e cautela, porém, as empresas devem evitar excessos e ficar atentas ao fato de a legislação continuar garantindo punição em caso de burla, quando houver elementos suficientes para imputar a responsabilidade do contratante.
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