No julgamento da Ação Direta de Constitucionalidade 49 (ADC 49), o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou inconstitucional a incidência do ICMS em transferências entre estabelecimentos do mesmo titular.
De acordo com o julgamento, os créditos das operações e prestações antecedentes devem ser mantidos, e os estados devem prever mecanismos de transferência dos créditos em operações interestaduais até 1° de janeiro de 2024, dada a modulação de efeitos da respectiva decisão.
Em vista desse julgamento, foi apresentado o Projeto de Lei do Senado 332/18 (Complementar), que visa alterar a Lei Complementar 87/96 (Lei Kandir) para estabelecer:
- a não incidência nas transferências de mercadorias do mesmo titular;
- a manutenção do crédito de ICMS relativo a operações e prestações antecedentes; e
- o direito de transferência dos créditos entre origem e destino.
Aprovado no Senado em 9 de maio de 2023, o projeto seguiu para a apreciação e votação da Câmara dos Deputados.
De acordo com as alterações propostas, fica positivada a não incidência do ICMS nas saídas em transferência e o direito de manutenção dos créditos. Além disso, estabelecem que, nas transferências interestaduais, os créditos deverão ser assegurados pela unidade federada de destino de acordo com as alíquotas interestaduais previstas pelo Senado Federal (4%, 7% ou 12%), a procedência da mercadoria, sua origem e destino.
Eventual diferença positiva entre os créditos registrados pelas operações e prestações anteriores e os créditos transferidos ao destino deverá ser assegurada pelo estado de origem.
O projeto de lei complementar estabeleceu ainda que os contribuintes podem optar por considerar as transferências como fato gerador do imposto, observando as alíquotas estabelecidas na legislação para as saídas internas e as alíquotas previstas pelo Senado Federal para as saídas interestaduais.
A previsão de tributar as saídas em transferência como fato gerador é relevante para viabilizar a fruição de incentivos fiscais já concedidos. Esse é um aspecto que preocupa os contribuintes após o julgamento da ADC 49, dada a potencial incompatibilidade com a sistemática de apuração (especialmente quando a base de cálculo do benefício se refere ao saldo devedor do tributo registrado em período de apuração) ou o esvaziamento dela.
A adequação do julgamento da ADC 49 à sistemática de incentivos fiscais é especialmente delicada, pois poderia ocasionar discussões jurídicas complexas sobre eventual violação do direito adquirido pelos contribuintes, que assumiram e cumpriram contrapartidas onerosas para a fruição de incentivos fiscais. Isso porque, no caso em questão, eventual inaplicabilidade dos incentivos não decorreria de revogação unilateral do estado, mas sim de decisão judicial sobre a não incidência do imposto.
Além disso, a opção do contribuinte em tributar a saída em transferência também pode ser relevante para acomodar as operações sujeitas ao regime de substituição tributária do ICMS, dado que a ausência de débito (ICMS-Próprio) na operação interestadual poderia resultar em desbalanceamento da sistemática de cálculo do ICMS-ST devido ao estado de destino.
Vale destacar ainda que foi revogado o dispositivo que estabelecia critérios específicos para a definição da base de cálculo nas saídas em transferência da Lei Complementar 87/96 (art. 13, § 4°).
A correta definição da base de cálculo nas saídas em transferência é importante, pois pode afetar diretamente a mensuração dos créditos de ICMS a serem transferidos para o estado de destino. A questão pode levar a controvérsias e desencadear glosas de crédito e autuações fiscais.
Diante da ausência de previsão específica para a base de cálculo nas saídas em transferência, em princípio as normas residuais previstas no art. 15 da Lei Complementar 87/96 podem ser aplicáveis.
Recomendamos que as empresas avaliem a necessidade de eventual atualização dos critérios de definição da base de cálculo do ICMS de acordo com os possíveis novos parâmetros legais.
As novas disposições da Lei Complementar 87/96, caso aprovadas pela Câmara dos Deputados, produzirão efeitos a partir de 1° de janeiro de 2024, em atendimento à modulação de efeitos definida pelo STF.