O Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgou , em 2018, o Recurso Repetitivo (REsp) 1.221.170/PR, que versava sobre a apropriação de créditos de PIS e Cofins com base no conceito de insumos. Na ocasião, o STJ conferiu a interpretação legal ao disposto no art. 3º, inciso II, das leis 10.637/02 (PIS) e 10.833/03 (Cofins) e afastou a interpretação restritiva até então defendida pela Receita Federal.
Naquela oportunidade, o STJ atrelou o conceito de insumo aos critérios de essencialidade ou relevância, ou seja, considerando-se a imprescindibilidade ou a importância de determinado item (bem ou serviço) para o desenvolvimento da atividade econômica desempenhada pelo contribuinte.
Com a pandemia de covid-19, a análise dos conceitos de essencialidade e relevância ganharam novos desdobramentos. Isso porque, entre as medidas impostas durante o estado de calamidade, as empresas passaram a ser obrigadas a incorrer em gastos com equipamentos de proteção destinados a evitar a contaminação e disseminação do vírus.
Desde fevereiro de 2020, por exemplo, é obrigatório o uso de máscaras de proteção individual para circulação em espaços públicos e privados acessíveis à comunidade, em vias públicas e em transportes públicos. Também é obrigatória a adoção de medidas de assepsia de locais de acesso público, inclusive veículos, e a disponibilização de produtos saneantes aos usuários durante a vigência das medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente da pandemia da covid-19 (Lei 13.979/20).
Assim, as máscaras, luvas e álcool em gel tornaram-se itens não apenas essenciais e relevantes no combate à pandemia, como determinantes para o funcionamento da empresa, na exata medida da interpretação fixada pelo STJ no art. art. 3º, inciso II, das Leis 10.637/02 (PIS) e 10.833/03 (Cofins).
No meio do caótico cenário de saúde pública, começaram os questionamentos quanto à possibilidade de apropriação de crédito de PIS e Cofins referentes a esses itens. No âmbito judicial, as poucas decisões já proferidas sobre a matéria eram desfavoráveis aos contribuintes (processos 5003996-98.2020.4.03.6110 e 5012198-94.2020.4.03.6100, ambos do TRF3).
Apesar disso, em 27 de setembro deste ano, os contribuintes receberam uma notícia mais animadora sobre o tema. Quase dois anos após o início da pandemia, a Receita Federal publicou aSolução de Consulta Cosit 164 reconhecendo a possibilidade de tomada de créditos de PIS/Cofins sobre as despesas incorridas com álcool em gel, máscaras e luvas utilizados na proteção contra a covid-19, por considerar que esses itens se enquadram no conceito de insumo.
A RFB entendeu que as luvas e o álcool em gel podem ser considerados insumos por se enquadrarem no conceito de EPI (Equipamento de Proteção Individual), cujos créditos já haviam sido expressamente reconhecidos pelo próprio repetitivo do STJ (REsp 1.221.170/PR) e pelo Parecer Normativo Cosit 05/18.
Já quanto às máscaras de proteção, a RFB argumentou que a Portaria Conjunta 20/2020, editada pela Secretaria Especial da Previdência do Trabalho do Ministério da Economia e pelo Ministério da Saúde, expressamente excluiu este item do conceito de EPI. Portanto, seu aproveitamento de crédito não poderia se basear nesse fundamento. Apesar disso, a RFB entendeu que as máscaras são itens obrigatórios por imposição legal, reconhecendo seu aproveitamento de crédito com base nesse outro fundamento, que também encontra respaldo no Parecer Normativo Cosit 05/18.
Vale ressaltar que a apropriação de créditos de PIS/Cofins das máscaras de proteção, luvas e álcool em gel foi reconhecida somente aos trabalhadores alocados nas atividades de produção de bens e/ou prestadores de serviços, mas não aqueles alocados em atividades administrativas ou comerciais.
Esse entendimento está em consonância com a jurisprudência majoritária que vem se formando no âmbito administrativo, na qual se identifica certa resistência em reconhecer créditos de PIS/Cofins a empresas comerciais ou a qualquer atividade que não esteja diretamente ligada à prestação de serviço ou produção ou fabricação de bens, em acepção literal do art. 3º, inciso II, das leis 10.637/02 (PIS) e 10.833/03 (Cofins).
Contudo, existem bons argumentos para se contestar essa interpretação fiscalista que não reconhece crédito de PIS/Cofins a empresas comerciais (varejistas, atacadistas etc.), sobretudo em razão da isonomia das empresas, independentemente da área de atuação, e do próprio princípio da não cumulatividade do PIS/Cofins.
Especificamente no caso dos equipamentos destinados a evitar a propagação do coronavírus, é possível sustentar seu uso obrigatório até mesmo para o próprio funcionamento da empresa comercial, haja vista as regras instituídas pelos poderes públicos.
O posicionamento da RFB é um primeiro passo no reconhecimento do direito ao crédito de PIS/Cofins para os itens de proteção contra a disseminação da covid-19. Ele deveria ser aplicado a todas as empresas para se manter em consonância com os conceitos de essencialidade e relevância definidos pelo STJ. A decisão serve como indício do rumo que essa discussão pode tomar no âmbito administrativo e judiciário.
É importante realizar uma análise detida desse tema, observando as especificidades da atividade de cada empresa e o seu enquadramento nos conceitos estabelecidos pelo STJ, considerando os maiores ou menores riscos de autuação.