O Decreto 11.374/23, publicado em 2 de janeiro deste ano, revogou o Decreto 11.321/22, de 30 de dezembro de 2022, que havia estabelecido desconto de 50% para as alíquotas do Adicional ao Frete para a Renovação da Marinha Mercante (AFRMM) para os fatos geradores ocorridos a partir de 1º de janeiro de 2023.

Dessa forma, a carga tributária do AFRMM retornou aos montantes vigentes antes de 1° de janeiro de 2023.

A alíquotas do AFRMM com e sem desconto são detalhadas na tabela a seguir:

NAVEGAÇÃO ALÍQUOTAS
COMUNS COM DESCONTO
Longo curso 8% 4%
Cabotagem 8% 4%
Fluvial e lacustre (granéis líquidos nas Regiões Norte e Nordeste) 40% 20%
Fluvial e lacustre (granéis sólidos e outras cargas nas Regiões Norte e Nordeste) 8% 4%

A revogação do desconto sobre as alíquotas do AFRMM foi tão rápida que a própria Receita Federal do Brasil sequer atualizou seus sistemas para contemplar a aplicação das alíquotas reduzidas.

Embora o Decreto 11.374/23 preveja sua aplicação na data de sua publicação, existem bons fundamentos jurídicos para discutir a imposição imediata da carga tributária sem o desconto, dado que o Decreto 11.321/22 chegou a entrar em vigor e produzir efeitos no ordenamento jurídico, ainda que pelo curto período de um dia.

Juridicamente, tendo em vista que a revogação do Decreto 11.321/22 efetivamente levou ao aumento das alíquotas do AFRMM, é possível defender que se deve observar o princípio constitucional da anterioridade anual e nonagesimal, o qual impede a cobrança de tributos no mesmo exercício financeiro e antes do decurso de 90 dias contados da norma que os aumentou (art. 150, inciso III, alíneas “b” e “c”):

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...)

III – cobrar tributos: (...)

b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou;

c) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea b;

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) definiu há bastante tempo que a natureza jurídica do AFRMM como Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE), conforme Resp 177137/RS .

Ementa: - CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. ADICIONAL AO FRETE PARA RENOVAÇÃO DA MARINHA MERCANTE – AFRMM: CONTRIBUIÇÃO PARAFISCAL 155, § 2º, ADCT, art. 36.

I. - O ADICIONAL AO FRETE PARA RENOVAÇÃO DA MARINHA MERCANTE – AFRMM – é uma contribuição parafiscal ou especial, contribuição de intervenção no domínio econômico, terceiro gênero tributário, distinta do imposto e da taxa (CF., art. 149)

II. – O AFRMM não é incompatível com a norma do art. 155, §2º, IX, da Constituição. Irrelevância, sob o aspecto tributário, extinto, na forma do disposto no art. 36, ADCT.

III. – R.E. não conhecido.

(Resp 177137/RS, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 09/08/2010, Dje 18/04/1997, grifou-se)

Tendo em vista que as CIDEs, como regra, são sujeitas à dupla anterioridade (anual e nonagesimal),[1] há bons fundamentos jurídicos para defender a aplicação das alíquotas reduzidas do AFRMM durante todo o ano de 2023, com possibilidade de restabelecer suas alíquotas somente a partir de 1° de janeiro de 2024.

O Departamento Tributário do Machado Meyer fica à disposição para o esclarecimento de dúvidas e discussões sobre o tema.

 


[1] Exceção feita à CIDE-Combustíveis, a qual é sujeita apenas à anterioridade nonagesimal (art. 177, §4°, inciso I, alínea “b” da Constituição Federal).