O ano de 2025 se inicia com algumas mudanças importantes para o setor de seguros e resseguros e, especialmente, para os departamentos jurídicos e de recursos humanos das instituições desse segmento: no fim de dezembro de 2024, o Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP) publicou a Resolução CNSP 476/24, que impactará significativamente as políticas e práticas de remuneração em seguradoras, resseguradoras, sociedades de capitalização e entidades de previdência.

Assim como aconteceu em 2010, quando o Conselho Monetário Nacional (CMN) publicou a Resolução CMN 3.921, que obrigou as instituições financeiras a implementar ajustes profundos em suas políticas de remuneração, a Resolução CNSP 476/24 demandará esforços conjuntos dos departamentos jurídicos e de recursos humanos, para que as empresas sujeitas às novas regras consigam se adequar.

O impacto da Resolução CNSP 476/24 na indústria de seguro, resseguro, capitalização e previdência, entretanto, é ainda maior do que o gerado pela Resolução CMN 3.921, dada a sua abrangência e a matéria regulada.

A seguir, resumimos os principais pontos da nova norma, que entrará em vigor em 2 de janeiro de 2026:

  • As regras dispostas na Resolução CNSP 476/24 não alcançam apenas as políticas e práticas de remuneração referentes a diretores estatutários. Também impactam cargos não estatutários da alta administração, gestores-chave em funções de controle e gestores cuja atuação tenha impacto material sobre a exposição da sociedade a riscos;
  • Além de tratar de remuneração variável, a nova resolução traz regras sobre a relação entre remuneração fixa e variável e incentivos de curto e longo prazos, regras de diferimento, regras de malus e clawback e de pagamento baseado em ações;
  • O pagamento de valores mínimos de bônus e de outros incentivos passa a ter limitação; e
  • A nova resolução estabelece regras detalhadas de governança a serem seguidas pelas instituições supervisionadas em relação à política de remuneração, que incluem a obrigação de se constituir um comitê de remuneração.

A constituição de comitê de remuneração e a instituição de política de remuneração são passos fundamentais no processo de adequação das instituições à nova norma. Esse processo exigirá a implementação de regras de governança e a revisão das políticas de remuneração atualmente praticadas.

Para ajudar a entender as novas regras, preparamos uma lista de perguntas e respostas sobre os principais aspectos da Resolução CNSP 476/24.

  • QUAL É O OBJETIVO DA RESOLUÇÃO?

Um dos pontos fundamentais é alinhar a regulamentação sobre remuneração na indústria de seguro, resseguro, capitalização e previdência com a de outros setores regulados. É o caso, por exemplo, dos normativos do Banco Central do Brasil (Bacen) e da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que regulam o sistema financeiro e suas instituições, com o objetivo de mitigar riscos ao sistema gerados por condutas profissionais inadequadas.

  • QUAIS SOCIEDADES ESTÃO SUJEITAS À RESOLUÇÃO?

Sociedades seguradoras, entidades abertas de previdência complementar (EAPCs), sociedades de capitalização e sociedades resseguradoras locais enquadradas nos segmentos S1, S2 e S3. As sociedades supervisionadas enquadradas no segmento S4 não estão sujeitas às regras estabelecidas pela Resolução CNSP 476/24.

Há casos em que algumas regras são flexibilizadas. Sociedades integrantes do segmento S3, por exemplo, estão dispensadas de constituir comitê de remuneração. Já as sociedades enquadradas como S2 podem utilizar outro comitê existente para assumir as atribuições do comitê de remuneração – não são, portanto, obrigadas a criar um comitê específico.

  • QUAIS FORAM AS PRINCIPAIS OBRIGAÇÕES CRIADAS?

As sociedades supervisionadas sujeitas à nova resolução deverão:

  1. instituir política de remuneração, de acordo com as diretrizes estabelecidas pela nova norma. Essa política deverá estar aprovada até 2 de janeiro de 2026;
  2. constituir comitê de remuneração, conforme as regras de governança estabelecidas pela resolução e detalhadas mais abaixo; e
  3. publicar informações qualitativas sobre a política de remuneração, montantes consolidados pagos no ano anterior e estimativas de montantes a serem pagos como incentivos de curto e longo prazos e pagamentos excepcionais, até 30 de abril de cada ano (com início em 2026).
  • A POLÍTICA DE REMUNERAÇÃO DEVERÁ ENGLOBAR QUAIS COLABORADORES?

A política de remuneração deverá abranger, no mínimo:

  1. diretores estatutários e membros do conselho de administração;
  2. demais cargos da alta administração, quando não estatutários – incluindo, no mínimo, vice-presidentes e diretores;
  3. gestores-chave em funções de controle; e
  4. gestores cuja atuação possa causar impacto material sobre a exposição a riscos da sociedade
  • QUAIS PROFISSIONAIS DEVEM SER CONSIDERADOS GESTORES-CHAVE?

A resolução delega às supervisionadas o direito de fixar critérios próprios, em suas respectivas políticas de remuneração, para classificar seus empregados como "gestores-chave". Para essa classificação, deverão ser considerados o nível hierárquico do profissional, seus limites de alçada decisória ou outros parâmetros similares. O normativo, no entanto, deixa claro que os titulares das unidades de gestão de riscos, conformidade e auditoria interna devem ser classificados como gestores-chave por todas as supervisionadas.

  • COMO DEVERÁ SER ESTRUTURADA A POLÍTICA DE REMUNERAÇÃO?

A política de remuneração deverá ser estruturada considerando as modalidades de remuneração fixa e variável praticadas, com definição de critérios para pagamento, ajuste ao risco, diferimento e vesting, critérios para identificação dos gestores enquadrados como chave e em cargos de impacto. Também deverão ser considerados critérios e diretrizes para negociação de pagamentos e garantias de pagamento, em caso de impedimento para que um colaborador exerça outra atividade remunerada por prazo determinado.

  • QUAIS SÃO AS REGRAS APLICÁVEIS À REMUNERAÇÃO VARIÁVEL?

A remuneração variável deverá:

  1. considerar a adequação das modalidades de remuneração com os objetivos da resolução[1] e com o nível de responsabilidade do colaborador;
  2. considerar o desempenho individual, da unidade e da supervisionada como um todo, e
  3. ter mecanismos de ajuste ao risco.

A remuneração variável também deverá incluir parcela de incentivo de longo prazo.

A participação nos lucros ou resultados (PLR) e as comissões por vendas não estão sujeitas às regras acima.

  • HÁ OBRIGATORIEDADE DE DIFERIMENTO DA REMUNERAÇÃO VARIÁVEL?

A resolução prevê que o incentivo de longo prazo deverá ser diferido por, no mínimo, três anos, exceto se a remuneração variável anual for inferior a três vezes a remuneração fixa mensal.

O incentivo de longo prazo deverá corresponder a, no mínimo, o menor dos seguintes valores:

  1. 40% da remuneração variável total apurada no ano; ou
  2. a diferença entre a remuneração variável total apurada no ano e os pagamentos realizados ao respectivo colaborador como PLR (ou outras modalidades de remuneração variável definidas em convenções ou acordos coletivos) ou comissões por vendas.
  • COMO DEVEM SER PAGOS OS INCENTIVOS DE LONGO PRAZO?

Para supervisionadas locais de capital aberto, no mínimo 50% dos incentivos de longo prazo devem ser pagos em ações ou instrumentos baseados em ações.

Para supervisionadas locais que não têm ações negociadas no mercado, os incentivos de longo prazo poderão incluir:

  1. pagamentos em espécie que tenham como referência o valor contábil das ações;
  2. ações – ou instrumentos baseados em ações – da controladora direta ou indireta da supervisionada, de acordo com o disposto na resolução.
  • A INSTITUIÇÃO DEVE CUMPRIR ALGUMA FORMALIDADE PARA CRIAR A POLÍTICA DE REMUNERAÇÃO?

A política de remuneração deverá ser documentada formalmente por escrito, contendo disposições claras, com os requisitos mínimos previstos na resolução.

Ela deverá ser:

  1. elaborada pelo comitê de remuneração;
  2. aprovada pelo conselho de administração ou pela assembleia geral;
  3. reavaliada, no mínimo, a cada dois anos;
  4. divulgada a todos os colaboradores até 30 de abril de cada exercício; e
  5. mantida, pelo prazo de cinco anos, para fiscalização da Superintendência de Seguros Privados (Susep), como detalhado mais abaixo.
  • QUAIS SERÃO AS ATRIBUIÇÕES DO COMITÊ DE REMUNERAÇÃO?

O comitê de remuneração deverá, no mínimo, elaborar a política de remuneração, supervisionar a implementação/operacionalização dessa política e realizar sua avaliação periódica, bem como propor os valores a serem pagos.

O comitê deverá ser composto por, no mínimo, três integrantes, com qualificação e experiência necessárias para avaliar a política de remuneração. A maioria dos integrantes:

  1. não poderá ser colaborador abrangido pela política de remuneração, nem seu cônjuge, companheiro ou parente;
  2. deve ter tempo máximo de mandato – ou de mandatos consecutivos – de dez anos, e
  3. não pode ser membro de outros comitês, com exceção para as supervisionadas enquadradas no segmento S2.

A composição e as regras de funcionamento do comitê de remuneração, incluindo número de integrantes, suas qualificações mínimas e tempo de mandato deverão constar do regimento interno, aprovado pelo conselho de administração ou, se inexistente, pela assembleia geral. Não há obrigatoriedade de a Susep homologar o comitê de remuneração.

  • TODAS AS SUPERVISIONADAS ESTÃO OBRIGADAS A CONSTITUIR COMITÊ DE REMUNERAÇÃO?

Não. Supervisionadas enquadradas no segmento S3 estão dispensadas de constituir comitê de remuneração. Nas supervisionadas enquadradas no segmento S2, as atribuições do comitê de remuneração poderão ser assumidas por outro comitê. As supervisionadas S4, como já mencionado, não estão sujeitas à resolução.

  • A SUSEP EXIGIRÁ QUE AS SUPERVISIONADAS APRESENTEM DOCUMENTOS?

As supervisionadas não precisam apresentar nenhum documento à Susep anualmente. Entretanto, devem manter à disposição da autarquia, por cinco anos, a política de remuneração, as recomendações do comitê de remuneração, bem como seu regimento interno e demais documentos que comprovem o atendimento à resolução.

  • AS SOCIEDADES DEVERÃO ALTERAR OS SEUS DOCUMENTOS SOCIETÁRIOS PARA SE ADEQUAR À RESOLUÇÃO CNSP 476/24?

Sim, as sociedades supervisionadas deverão revisar os seus documentos societários para adequá-los ao previsto na resolução. Por exemplo, a aprovação do regimento interno e das decisões tomadas pelo comitê de remuneração e a homologação dos valores a serem pagos pela política de remuneração deverão ser incluídas como responsabilidades do conselho de administração, caso isso não esteja previsto direta ou indiretamente no estatuto social.

As supervisionadas deverão, ainda, revisar as suas políticas de conformidade ou código de ética e conduta, para incluir regras de proibição de utilização de instrumentos derivativos do mercado de capitais, capazes de alterar os efeitos das variações de preços das ações ou dos instrumentos baseados em ações.

 


[1] Os objetivos da Resolução CNSP 476/24 estão elencados no seu artigo 3º:

(i) efetividade da gestão de riscos e a observância do apetite por risco e da política de gestão de riscos, especialmente quanto aos limites de exposição neles estabelecidos;

(ii) efetividade da gestão de capital e a observância do plano de contingência de capital, especialmente quanto aos níveis de controle nele estabelecidos;

(iii) efetividade dos controles internos e observância da política de conformidade;

(iv) observância da política de sustentabilidade e de conduta;

(v) geração de valor no longo prazo; e

(vi) e a atração e retenção de profissionais qualificados e experientes.