Dando continuidade aos questionamentos à Portaria 3.714/23, ao Decreto 11.795/23 e à Lei 14.611/23, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (“CADE”), objetivando evitar eventuais efeitos concorrenciais de condutas no mercado de trabalho, emitiu a Nota Técnica nº 3/2024 recomendando a suspensão ou cancelamento com posterior revisão dos dispositivos legais referentes à obrigação de publicar informações sobre remuneração de empregados no contexto do relatório.
Além disso, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) propôs a Ação Direta de Inconstitucionalidade 7.612 (ADI 7.612), com pedido de medida cautelar, para avaliar a constitucionalidade de pontos da Lei 14.611/23. A ação foi distribuída para relatoria do ministro Alexandre de Moraes e está pendente de julgamento.
A ADI 7.621 questiona os seguintes pontos:
- Inconstitucionalidade da expressão “independentemente do descumprimento do disposto no art. 461 da Consolidação das Leis do Trabalho”, contida em seu art. 5º, § 2º – ao excetuar o cumprimento do artigo 461, que dispõe sobre desequiparações salariais lícitas e razoáveis, a expressão mencionada viola o princípio da proporcionalidade, já que há desequiparações salariais legítimas;
- Inconstitucionalidade da alteração trazida pelo artigo 3º da Lei 14.611/23 no parágrafo 6º do artigo 461 da CLT – o artigo deve ser interpretado de acordo com a Constituição Federal para que o pedido de dano moral apenas seja cumulável em caso de discriminação em sentido estrito (isto é, não basta a simples existência objetiva de diferença salarial ou suposição de diferença não comprovada); e
- Inconstitucionalidade do artigo 5º da Lei 14.611/23 como regulamentado e, consequentemente, do Decreto 11.795/23 e da Portaria 3.714/23 – o artigo, como regulamentado pelo decreto e pela portaria, permite diferentes interpretações sobre formas legítimas de exigir a publicação do relatório, inclusive violando o contraditório e a ampla defesa.
A CNI alega, também, que o plano de ação é uma penalidade e/ou constrangimento público baseado na aparência de um ilícito. Questiona-se ainda o fato de a publicação do relatório permitir a identificação inconstitucional de dados pessoais, assim como gerar impactos reputacionais às empresas. Além disso, o decreto e a portaria ultrapassariam o disposto na lei, criando obrigações adicionais.
Caso o pedido cautelar seja deferido nos termos pleiteados, as empresas estariam desobrigadas de publicar o relatório ao menos até ser proferida decisão final pelo STF, já que a ADI 7.612 contesta, justamente, a publicação do relatório nos termos definidos pelo decreto e pela portaria.
Os efeitos da medida cautelar, bem como da decisão final do STF, são aplicáveis a todas as empresas, ainda que a ADI 7.612 tenha sido ajuizada apenas pela CNI. Isso ocorre porque a decisão em relação à constitucionalidade de dispositivos legais pelo STF produz efeitos erga omnes (ou seja, vinculantes a todos).
Ainda que a decisão sobre a medida cautelar e a decisão final do STF sejam de que as empresas não estão obrigadas a publicar o relatório, entendemos que esse problema poderia ser sanado se o governo publicasse nova regulamentação com texto adequado às normas constitucionais e trabalhistas. Assim, até que se tenha uma decisão sobre a ADI 7.612, recomenda-se que as empresas continuem trabalhando em seus relatórios. Essa medida se faz necessária porque:
- se a decisão do pedido de medida cautelar da ADI 7.612 for de improcedência, as empresas permanecem obrigadas a publicar o relatório nos exatos termos da Lei 14.611/23, do Decreto 11.795/23 e da Portaria 3.714/23, exceto se o governo publicar, até 30 de março, algum ato desobrigando-as nesse sentido; e
- ainda que a decisão da ADI 7.612 seja de procedência, as empresas deverão aproveitar a análise feita para a elaboração do relatório para identificar possíveis inconsistências que necessitem de correções.
É importante destacar que a obrigação de igualdade salarial entre gêneros nas empresas se mantém, já que a igualdade de gêneros, além de prevista em normas trabalhistas, é uma garantia constitucional. As empresas, portanto, estão sujeitas a fiscalizações do Ministério do Trabalho e do Ministério Público do Trabalho.
Além disso, a nosso ver, ainda que a Lei 14.611/23 possa estar sujeita a alterações, a obrigação de elaborar relatório e/ou de publicá-lo deve ser mantida e, por isso, é fundamental que as empresas estejam preparadas nesse aspecto.
Continuaremos a acompanhar o tema e informaremos qualquer novidade.