Dando seguimento à nossa série sobre o Marco Regulatório Trabalhista Infralegal, abordamos neste artigo os seus impactos sobre o Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT).

Uma das mais relevantes alterações trazidas pelo Decreto 10.854/21, e que impactará a carga tributária das empresas já beneficiárias do PAT, refere-se às regras de aproveitamento do incentivo fiscal do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) pelas empresas cuja apuração é realizada pelo lucro real.

A nova regra estabelece que a dedução do imposto de renda será aplicável somente em relação aos valores despendidos com trabalhadores que recebam até cinco salários mínimos, limitada à parcela do benefício que corresponder ao valor de, no máximo, um salário mínimo.

Apenas nos casos em que as empresas forneçam serviço próprio de refeições ou em que distribuam alimentos por meio de empresas fornecedoras de alimentação coletiva, a dedução poderá englobar todos os trabalhadores.

Vale mencionar que a Justiça Federal vem concedendo liminares para derrubar essas limitações.[1] Nesses casos, os juízes apontam haver ilegalidade da nova regra, por entenderem que o decreto extrapolou sua função, contrariando os princípios da estrita legalidade e da hierarquia das leis, ou por considerarem não ser possível aplicar as limitações no mesmo ano calendário em que foram criadas.

Outra importante alteração refere-se ao fim da “taxa negativa” ou “rebate” – nome dado aos descontos concedidos pelas operadoras de benefícios às empresas beneficiárias (empregadores que fornecem alimentação aos empregados) – e dos prazos de repasse que descaracterizem a natureza pré-paga dos valores a serem disponibilizados. Isso significa que, desde 11 de dezembro de 2021, as empresas beneficiárias não podem mais contar com os descontos ou prazos concedidos pelas operadoras de benefícios. Os contratos atualmente em vigor e que têm tais previsões mantêm-se inalterados até a data de seu encerramento ou até maio de 2023 (18 meses após a entrada em vigor do decreto), o que ocorrer primeiro. As empresas, portanto, deverão programar seu fluxo de caixa para se adequarem às novas regras.

A nova norma permitiu operacionalizar os benefícios por meio de arranjos de pagamento abertos ou fechados. Atualmente, só é permitida a utilização de arranjos de pagamento fechados, ou seja, a operadora de benefícios emite o meio de pagamento e credencia o estabelecimento comercial. Após 18 meses da entrada em vigor do decreto, os cartões de benefícios poderão ter bandeiras, como já ocorre com os cartões de crédito. Com isso, um estabelecimento comercial poderá aceitar outras bandeiras de cartões ainda que essas não sejam das bandeiras credenciadas.

Estabeleceu-se ainda a oportunidade de criar um novo produto para as operadoras de benefícios, um cartão único que abranja tanto o vale-refeição quanto o vale-alimentação. No entanto, os empregados devem ficar atentos, pois o saldo de um dos benefícios não poderá ser utilizado para o outro, uma vez que o PAT visa preservar a saúde nutricional dos empregados.

O decreto criou a portabilidade, permitindo que o trabalhador escolha por qual operadora deseja receber o benefício. Contudo, ainda não há uma regulamentação clara de como essa portabilidade vai funcionar na prática. Criou-se também a possibilidade de o benefício ser integralmente utilizado após a rescisão contratual, ainda que tenha havido desconto de participação.

A norma deixou expressa a obrigatoriedade de todos os empregados receberem o mesmo valor de benefício. A adesão ao PAT continua sendo facultativa, mas as empresas que aderirem ficarão obrigadas a dispor de programas para promover e monitorar a saúde dos empregados, visando aprimorar a segurança alimentar e nutricional dos trabalhadores. Não houve, porém, um esclarecimento de como esses programas deverão ser desenvolvidos pelas empresas.

A gestão e fiscalização do cumprimento das regras do PAT ficarão a cargo do Ministério do Trabalho e Previdência, do Ministério da Saúde e da Receita Federal do Brasil.

As novas regras do PAT entraram em vigor em 11 de dezembro de 2021, exceto aquelas que tratam da possibilidade de arranjos de pagamento abertos e da portabilidade, cuja vigência se dará somente 18 meses após a publicação do decreto. Os descontos e os prazos estabelecidos nos contratos firmados entre as empresas beneficiárias e as operadoras de benefícios poderão se manter inalterados até a data de seu encerramento ou até que tenha decorrido o prazo de 18 meses da publicação do decreto.

As relevantes alterações introduzidas nas regras do PAT devem fomentar debates na esfera judicial, principalmente sobre a questão da dedutibilidade do benefício no IRPJ.

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[1] Liminares concedidas nos processos 5035156-40.2021.4.03.6100; 1076633-81.2021.4.01.3800 e 5006152-68.2021.4.03.6128.